DISCURSO DE DOM GERALDO MAIA, da DIOCESE DE ARAÇUAÍ, MG, NA CÂMARA MUNICIPAL na AUDIÊNCIA PÚBLICA sobre PL QUE VISA AMPUTAR 5.550 HECTARES DA APA CHAPADA DO LAGOÃO

ARAÇUAÍ, MG, 10 de abril de 2025

Visão parcial panorâmica da APA CHAPADA DO LAGOÃO EM ARAÇUAÍ, MG. Foto: Redes Virtuais

Veja, abaixo, o vídeo do Pronunciamento de Dom Geraldo Maia e, após, o texto para quem preferir ler.

PL QUE AMPUTA A APA CHAPADA DO LAGOÃO É ABSURDO: Dom Geraldo Maia, da Diocese de Araçuaí/MG

1) INTRODUÇÃO

Excelentíssimo Sr. Presidente, integrantes da Mesa Diretora, senhoras vereadoras e vereadores desta Casa, autoridades aqui presentes, representantes de entidades, e estimada população deste município de Araçuaí e região, meu cordial bom dia!

Enquanto representante da Igreja Católica, agradeço aos senhores e senhoras por instaurarem esta Audiência Pública, solicitada em nossas comunicações. Agradeço também pelo convite a mim dirigido, como Bispo Diocesano, para participar desta importante discussão em nosso município.

Antes de iniciar minhas considerações, peço antecipadas desculpas, pois compromissos institucionais e religiosos há muito tempo previstos exigem que eu não permaneça em tempo integral nesta audiência. A Diocese será representada, no decorrer de toda sessão, pelo seu assessor jurídico, Dr. Caio de Castro e Carneiro, e alguns religiosos e religiosas.

A propósito, tamanha é a relevância do tema aqui debatido, que a nossa Diocese, composta por 27 municípios da região, refez uma agenda estabelecida desde o ano passado, com a única finalidade de se apresentar nesta tribuna, o que faço com muita honra e distinção, trazendo comigo os padres, diáconos, religiosos e religiosas que servem nossa amada Diocese.

 

2) DESENVOLVIMENTO

Tomando parte neste importante debate, a Igreja não se posiciona como doutrinadora, muito menos como catequista. Representando uma instituição religiosa, eu desço do púlpito e subo à tribuna, em defesa dos pequenos e humildes, das comunidades tradicionais, muitos dos quais se sentem intimidados em fazer-se presentes nesta sessão. Represento também as futuras gerações.

Viemos a esta Audiência como instituição semelhante à demais aqui representadas, defensora dos biomas, do clima e da natureza, clamando pela sobrevivência do ser humano, independentemente de sua fé. Tratamos de uma questão de humanidade e de ecologia integral. Percorrendo essa trilha, seguimos os ensinamentos de Jesus Cristo, sem ferir a laicidade do Estado.

Minha fala, Senhor Presidente, não tem pretensão de grandeza, nem intenta ser detentora da verdade. Por isso, buscamos trazer resultados de um diálogo permanente com a sociedade, bem como reverberar alertas há muito sinalizados pela comunidade científica.

Neste instante, discutimos a redução de uma APA considerada “o berçário das águas de Araçuaí”, segundo levantamento exposto no Sétimo Congresso Brasileiro de Agroecologia. Em 2011, esse mesmo estudo anunciou que “sua conservação se caracteriza como uma importante estratégia de convivência com a seca em função do abastecimento do lençol freático e a manutenção das nascentes”.

Todos nós, aliás, já ouvimos falar do Lagoão como “a caixa d’água” e como “o termômetro do Médio Jequitinhonha”. Nesse segmento, vejo-me obrigado a indagar se os senhores e senhoras estão confortáveis com o extremo calor da nossa cidade. Pergunto, ainda, se seus familiares, idosos e crianças, já não se sentiram mal com a temperatura elevada da nossa região. É essa APA que tem refreado uma verdadeira calamidade climática neste Vale. Sem ela, seria bem pior do que é hoje.

Assim, a simples cogitação de reduzi-la contraria não só a lógica, mas a ciência, o bom senso e a responsabilidade social. Ora, se o projeto em questão arrasta tantos impactos negativos consigo, por que mantê-lo?

Nossa preocupação, senhoras vereadoras e vereadores, fica agravada, quando o Observatório dos Vales e Semiárido Mineiro, grupo de pesquisa fomentado pela Universidade Federal dos Vales Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), denuncia um hipotético interesse econômico de mineradoras sobre aquele perímetro. Segundo esse grupo de pesquisa, projetos de licenciamento para a exploração minerária já incidem sobre o espaço que agora se quer reduzir.

Vejam, senhoras e senhores, que não se trata da opinião deste orador ou da Diocese que represento. Trata-se de diagnósticos realizados por quem entende da matéria!

Frente a tantas evidências, nossa posição é e seguirá contrária ao Projeto de Lei nº 02/2025. Afinal, se os acadêmicos de uma Universidade Federal estiverem certos, essa proposta repetirá os vários erros da nossa história.

Sabemos que as atuais populações de Minas Gerais e do Vale do Jequitinhonha nasceram da mineração. Pergunto aos aqui presentes se algum quilate do nosso ouro ou alguma faísca do nosso diamante enriqueceu os seus antepassados. Questiono se o esgotamento das jazidas de Minas Novas, município ao qual Araçuaí pertenceu, deixou para a região algum traço de desenvolvimento.

Não se enganem. Como ocorre em toda área de exploração mineral, emprestamos nosso suor a uma promessa de riqueza que nunca chega. A geração de empregos não acompanha o sacrifício do lugar minerado. Emprego, senhoras e senhores, não é favor, mas sim o mínimo de que qualquer indústria necessita para funcionar. As multinacionais, hoje instaladas neste município, sequer existiriam sem a força do trabalho da nossa gente.

Portanto, indago o que teremos recebido em troca, quando o lítio de Araçuaí se esgotar. Por que imaginarmos que, agora, insistindo em falhas passadas, nossa história terá melhor desfecho? Que podemos esperar se nem mesmo o alívio da nossa sede será garantido?

 

Assim falando, eu pareço restringir minha angústia ao território araçuaiense. Porém, devo lembrá-los de que o desequilíbrio ecológico transborda os limites do mapa.

Nobres parlamentares, quando votarem esse Projeto, os senhores se recordarão de todos os municípios banhados pelo Rio Jequitinhonha? Questiono se estarão cientes das implicações políticas entre Araçuaí e cidades vizinhas, na hipótese de as consequências aqui anunciadas prejudicarem Itinga, Itaobim, Coronel Murta e todo o extremo sul da Bahia e nordeste de nosso Estado.

Talvez, por dilemas como esse, a lei dos homens consagre o meio ambiente equilibrado como direito difuso, ou seja, como um bem de todos nós. Nesse raciocínio, muito além da já falada responsabilidade social, os excelentíssimos vereadores e vereadoras também devem pautar-se em sua responsabilidade legal. Lembrem-se de que o artigo 225 da Constituição brasileira impõe ao Poder Público o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações.

Quanto ao futuro, a aprovação desse projeto dispensa previsões. Afinal, a emergência climática já se faz presente em nossos reservatórios, termômetros e hospitais. Não por acaso, no ano de 2023, Araçuaí chegou a inacreditáveis 44,8ºC, tornando-se palco do “dia mais quente da história do Brasil”, até então registrado.

É por isso que defendemos a retirada de pauta do projeto em discussão. (Pena que o representante do Poder Executivo não esteja aqui para ouvir nossa solicitação). Na eventualidade de mantê-lo, clamamos aos senhores parlamentares que votem contrariamente a essa proposta.

Trata-se de um dever de consciência, inclusive sob o ponto de vista econômico. Imaginemos o custo financeiro que os senhores, os entes públicos e o povo aqui presente – incluindo grandes empresários locais – enfrentarão para bombear água aos reservatórios, climatizar suas casas e comércios, deter epidemias oriundas do desequilíbrio ecológico, além de, pelas mesmas razões, fortalecer nosso depauperado sistema público de saúde.

Por fim, se meus apelos restarem insuficientes, pensem, então, apenas em si mesmos, nobres vereadoras e vereadores. Não se esqueçam de que as votações desta Casa são públicas e que as senhoras e os senhores, a depender da escolha feita, serão cobrados. Não se esqueçam de que foram eleitos por minorias potencialmente atingidas, as quais se recordarão disso em período eleitoral. Lembrem-se de que os desdobramentos desse projeto recairão não apenas sobre a família e a descendência, mas principalmente sobre a carreira e a biografia dos votantes. Ao fim desse processo, que nossa Diocese continuará acompanhando, de forma detida e combativa, como tem feito até aqui, veremos qual lado da história cada um dos senhores e senhoras escolheu.

 

3) CONCLUSÃO

 

 

Confiante no senso de responsabilidade deste Parlamento, a Diocese de Araçuaí agradece por ser ouvida. Esperamos, contudo, o verdadeiro acolhimento de nossas palavras. O futuro de nosso povo depende da escolha que os senhores e senhoras farão ao ter que votar esta proposta de redução da APA!

Na qualidade de homem de fé, peço a Deus, por intermédio de Nossa Senhora da Lapa, Rainha do Vale do Jequitinhonha e Padroeira de nossa Diocese, que ilumine suas consciências na escolha do bom senso.

 

Paz e bem a todos! Muito obrigado.

 

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