Crime da Vale e do Estado: sinal vermelho! Quando ocorrerá a próxima tragédia? –
Por Gilvander Moreira[1]
O crime anunciado da Vale e do Estado, que se iniciou às 12h28 do dia 25 de janeiro de 2019, uma sexta-feira que se tornou mais uma Sexta-feira da Paixão com centenas de mortos, rio Paraopeba matado, invadido pela lama tóxica que poderá apunhalar ainda mais o rio São Francisco que já está na UTI. Sinais vermelhos têm sido acendidos inúmeras vezes em Minas Gerais, no Pará e em outros estados, em territórios sob a cobiça das grandes mineradoras que vêm causando devastação socioambiental em progressão geométrica. No Brasil, há mais de 24 mil barragens: de água para irrigação, de rejeitos de mineração om lama tóxica ou de água para geração de energia em hidrelétricas. As barragens de hidrelétricas são feitas de concreto com ferro e aço, mas as barragens de rejeitos minerários são apenas uma montanha de lama com calços quebradiços. Mais de 700 barragens são de rejeitos minerários, sendo que 70% destas estão em Minas Gerais, mais de 460. Desde a década de 1970, volta e meia, alguma barragem de rejeitos minerários tem se rompido. Em Minas Gerais, houve vários rompimentos de minerodutos, o Minas-Rio, por exemplo, que consome diariamente água que dá para abastecer uma cidade de 230 mil pessoas e transporta o equivalente a 1.600 carretas de minério por dia. As nossas montanhas estão sendo arrancadas e vendidas pela metade do preço de banana e, pior, todas as nascentes, rios e os lençóis freáticos estão sendo sacrificados.
As vistorias e auditorias são caricaturais, feitas sob encomenda das grandes mineradoras. Na CPI da Mina Capão Xavier, em Nova Lima, MG, em 2004, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), uma representante da Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM) disse: “Nós da FEAM não vamos lá no local da mineração fazer vistoria. Apenas lemos os relatórios que os funcionários das mineradoras fazem.” Mesmo com testemunhos e documentos idôneos que demonstravam a série e irregularidades e ilegalidades, tanto a 1ª CPI da ALMG, de 1975, sobre mineração na Serra do Curral, e a CPI da Mina Capão Xavier, ambas da MBR e Vale, terminaram com relatório pizza.
Onde há muito minério há também muita água. O Quadrilátero Ferrífero, em Minas Gerais, é também um Quadrilátero Aquífero. Os lugares onde as mineradoras se instalam eram paraísos naturais, mas após a chegada das mineradoras inicia-se um processo absurdo que sacrifica no altar do deus do mercado a dignidade humana e a dignidade da mãe terra, da irmã água, da flora e da fauna. Bento Rodrigues, por exemplo, era um ‘paraíso na terra’, mas após a mineração da mina de Fundão, estava sendo abastecida por caminhões pipas, antes de ser devastada no crime tragédia da VALE/SAMARCO/BHP que aconteceu na tarde do dia 05 de novembro de 2015 e continua acontecendo. Em um instante, 19 vidas de seres humanos foram ceifadas. Pior, mais de 30 pessoas, em 3 anos, já morreram vítimas das consequências dramáticas daquele genocídio.
Palco inicial do genocídio da Vale, com licença do Estado, o Córrego do Feijão, em Brumadinho, ganhou esse nome porque era uma região rica na produção de feijão, de hortaliças, cereais e hortifrutigranjeiros que abastecia grande parte de Belo Horizonte e região metropolitana. Era comum ver muitos carros de bois transportando feijão e uma grande quantidade de outros alimentos saudáveis produzidos sem agrotóxicos em regime de agricultura familiar. Conta-se que certo dia, um carro de boi, carregado de feijão, tombou em uma ponte ao atravessar o córrego. Por isso, o lugar passou a se chamar Córrego do Feijão. Brumadinho, mesmo sob o massacre que as mineradoras perpetram cotidianamente, ainda é o 2º maior produtor de cítricos de Minas Gerais. Isso nos mostra que a vocação de Brumadinho e região não é a mineração, mas é a agricultura familiar com produção de alimentos saudáveis.
Se a classe trabalhadora, do campo e da cidade, não se mobilizar para, em lutas sociais e massivas, pressionar as autoridades do Estado Brasileiro, na luta por justiça socioambiental, a próxima tragédia acontecerá em breve. Qual barragem que romperá primeiro? A de Congonhas? A de Sabará? A de Itabira? A de Conceição do Mato Dentro? … No livro do Êxodo se diz que o Deus da vida, para forçar a libertação do povo escravizado, enviou dez pragas sobre os faraós – com coração endurecido – do imperialismo do Egito que superexplorava o povo. A 1ª praga/prodígio é narrada em Ex 7,14-24: “transformou o Rio Nilo em sangue. Todos os peixes morreram. O rio ficou poluído e morto. Os egípcios não podiam beber mais da água do rio” (Ex 7,20-21). Depois da 1ª praga, as seguintes eram gradativamente piores, até o povo superescravizado conquistar a libertação, com a travessia do mar vermelho. Quantas barragens ainda precisarão romper para que as autoridades ouçam os clamores do povo, da mãe terra, da irmã água e de todos os seres vivos?
Para o profeta Miqueias, a cobiça e as injustiças sociais deixam o Deus da vida possuído por uma ira santa. “São vocês os inimigos do meu povo: de quem está sem o manto (como os desempregados que aceitam trabalhar em mineradoras mesmo sabendo que estão destruindo), vocês exigem a veste; vocês expulsam da felicidade de seus lares as mulheres do meu povo (como milhares de meninas que são empurradas para a prostituição em cidades apunhaladas pelas grandes mineradoras), e tiram dos filhos a liberdade que eu lhes tinha dado para sempre” (Miq 2,8-9).
Vindo da roça, o profeta Miqueias, ao chegar à capital Jerusalém, se defronta com os enriquecidos e com políticos e religiosos profissionais e os acusa de roubar casas e campos para se tornarem latifundiários. “Ai daqueles que, deitados na cama, ficam planejando a injustiça e tramando o mal! É só o dia amanhecer, já o executam, porque têm o poder em suas mãos. Cobiçam campos, e os roubam” (Miq 2,1-2). Miqueias mostra que a riqueza deles se baseia na miséria de muitos e tem como alicerce a carne e o sangue do povo. “Essa gente tem mãos habilidosas para praticar o mal: o príncipe exige, o juiz se deixa comprar, o grande mostra a sua ambição. E assim distorcem tudo. O melhor deles é como espinheiro, o mais correto deles parece uma cerca de espinhos! O dia anunciado pela sentinela, o dia do castigo chegou: agora é a ruína deles” (Miq 7,3-4).
Segundo o Evangelho de Lucas, Jesus Cristo põe em paralelismo o assassinato cruel dos galileus com o acidente que sofreram 18 habitantes de Jerusalém quando desabou sobre eles uma torre das antigas muralhas, próxima da piscina de Siloé (Lc 13,1-9). E alerta: Convertam-se antes que seja tarde! As tragédias humanas não são castigos de Deus (Lc 13,1-2). Pilatos, querendo construir um aqueduto, decidira utilizar o tesouro do Templo como verba para a construção. Isso provocou a resistência de um grupo de galileus que foram assassinados enquanto ofereciam sacrifícios no Templo. Mas Jesus fazia análise de conjuntura e lia os fatos históricos de forma crítica e criativa. Os galileus assassinados não eram arruaceiros, estavam lutando pelos seus direitos e, por isso, foram reprimidos.
Jesus questiona o senso comum das pessoas, chacoalha a teologia da retribuição impregnada na cabeça do povo e convida à reflexão questionando: “Eles são, de fato, culpados? Ou foram massacrados porque questionaram de forma organizada o sistema opressor liderado por Pilatos?” Nas entrelinhas, Jesus acaba dizendo: “Ontem foi um grupo de galileus. O sistema opressor está em pleno funcionamento. Se vocês continuarem de braços cruzados, alienados e acriticamente aceitando a interpretação dos fatos feita a partir dos poderosos, amanhã será a vez de vocês. Um a um, todos serão mortos antes do tempo”.
Jesus alerta de modo enfático, repetindo em dois versículos (Lc 13,2.5): “É hora de conversão!” Não apenas mudar a forma de pensar, mas, fundamentalmente, mudar a forma de agir e de se posicionar diante da realidade. Posicione-se do lado das vítimas e dos enfraquecidos! Seja crítico e criativo! Desconfie do que é veiculado pelos grandes meios de Comunicação. Eis o apelo do evangelho para nós. Jesus faz referência a outro fato da história para iluminar os desafios do presente: a morte de dezoito pessoas com o desabamento da torre de Siloé. Seria corrupção e irresponsabilidade dos órgãos públicos que construíram uma torre sem segurança? Deus conta com nossa participação ativa. Não nos quer de braços cruzados vendo a banda passar. “Tudo isso acontecendo e eu aqui, na praça, dando milho aos pombos?”, interroga o cantor Zé Geraldo.
O justo e necessário é a prisão preventiva imediata do Presidente da VALE, dos Diretores da VALE, das autoridades dos Governos que autorizaram o funcionamento e dos responsáveis pela licença, o confisco dos bens da Vale para aplicar nas áreas sociais, além de suspensão por tempo indeterminado da mineração em Minas Gerais e em todo o país até que se faça uma avaliação independente e imparcial e reabrir apenas as minas que têm garantias idôneas de que não haverá rompimento de barragens de rejeitos de minério.
Belo Horizonte, MG, 06 de fevereiro de 2019.
Obs.: O vídeo, abaixo, ilustra o texto, acima.
1 – Rompimento de quatro barragens em Brumadinho/MG: NÃO FOI ACIDENTE. FOI CRIME ANUNCIADO! 28/1/2019.
2 – Prisão dos responsáveis pelo crime da VALE e suspensão da mineração/Frei Gilvander/CPT-MG/28/1/19
3 – Crime da VALE/Estado: povo, reaja, se organize e levante a voz. Frei Rodrigo Peret/CPT. 28/1/19
4 – Chega de mineração! Chega de impunidade! Ir. Neusa (CPP) e Clarindo (Mov. Pescadores). 28/1/19
5 – Crimes cometidos por mineradoras em Congonhas/MG e a cumplicidade do Estado/Sandoval Filho/19/12/18
6 – Crime da VALE e do Estado. Sônia Loschi/CPT-MG: “Não precisamos das mineradoras”- 28/1/2019
[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br – www.twitter.com/gilvanderluis – Facebook: Gilvander Moreira III