A questão do traçado: “Nós precisamos deste rodoanel para resolver os problemas de trânsito na região metropolitana de Belo Horizonte.” Precisamos? Por Reinaldo Fernandes e Alenice Baeta[1]
O governo de Minas Gerais e algumas pessoas, possivelmente ingênuas ou talvez mal informadas (queremos acreditar), defendem que precisamos de um Rodoanel para resolver os problemas de trânsito na região metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Para eles, a questão é só achar o melhor traçado/trajeto de suas quatro alças componentes: Sul, Sudoeste, Oeste e Norte. Primeiro: não precisamos! Segundo: não existe “melhor” traçado/trajeto. Muito menos alternativas viáveis dentro da RMBH. Trata-se de um projeto Ecocida.
Vejamos por quê.
Há pessoas, como exposto, que acham que o problema do Rodoanel se restringe ao traçado/trajeto – grande equívoco.
Em Brumadinho, incluindo Nova Lima, Ibirité e Sarzedo, o traçado/trajeto proposto pelo governo de Minas Gerais no segmento denominado Alça Sul destrói o Parque Estadual do Rola Moça e sua Zona de Amortecimento dos dois lados, porque quer passar bem no meio dele. Dali, o rodoanel, conhecido popularmente como “Rodominério”, porque parece por seu desenho geral servir ao transporte de cargas pesadas da mineração, como exposto adiante, continuaria destruindo fauna, flora, cavernas, patrimônio hídrico, histórico e cultural, incluindo a belíssima Serra da Calçada, tombada em nível estadual, onde há o famoso sítio arqueológico Forte de Brumadinho, além de moradias de nativos, condomínios de pessoas de classe média e alta; secando nascentes, mananciais, cachoeiras etc.
Nos outros trechos ou alças, o governo Zema propõe que o Rodoanel passe, impactando, severamente e de forma irreversível, territórios tradicionais de agricultura familiar, o que poderá causar insegurança alimentar em toda a RMBH, pois aniquilará a agricultura familiar que resiste na RMBH. Seguindo o trajeto de destruição, o traçado/trajeto oficial do Rodoanel, apresentado pelo governo de MG, atingiria escolas de renome internacional, como a Escola Sandoval de Azevedo na Fundação Helena Antipoff; unidades de ensino fundamental, médio, técnico e superior, como é o caso do Campus da UEMG de Ibirité; bem como cemitérios, além de outras tantas escolas, UPAs e bairros populosos em Betim e Contagem. Será rododevastação.
Um dos pontos que mais chama a atenção é que o trajeto indicado na Alça Oeste mutila a importantíssima área de proteção da lagoa/manancial de abastecimento público de Várzea das Flores em Contagem, importante manancial de abastecimento de água na RMBH.
Na Alça Norte, por sua vez, o que mais chama a atenção é que este famigerado rodoanel rasga ao meio a Área de Proteção Ambiental (APA) Lajinha, uma das poucas áreas verdes do município de Ribeirão das Neves protegida, onde se encontram seis nascentes de água. Seguindo o rastro de destruição na bacia do Ribeirão da Mata atingiria parte do sistema do fluviocarste da APA Norte e o rio das Velhas, impactando os territórios quilombolas de Pinhões e de Manzo Ngunzo Kaiango, já no município de Santa Luzia. O trajeto passa, ainda, sobre o cemitério de escravos, onde foram enterrados os ancestrais dos quilombolas de Pinhões, habitantes desde o século XVIII dessa região.
Curiosamente, se analisar todo o traçado, nota-se com certa facilidade que as mineradoras são cuidadosamente contornadas e protegidas pelo projeto do rodoanel/rodominério, culminando bem em suas entradas. Passa assim do ladinho das minas, facilitando o escoamento de minério. Enquanto isso, por onde quer passar, em todas as suas alças componentes, milhares e milhares de famílias (estima-se mais de 20 mil pessoas) seriam desapropriadas e retiradas de suas casas, de suas histórias, de seus vizinhos, de sua vida cultural, religiosa e seu sentimento de pertencimento. Caso se faça o rodoanel serão milhares de desapropriações previstas para após a eleição de 2022. Projeto eleitoreiro também.
E quem são essas pessoas que terão suas casas demolidas por estarem no trajeto do rodoanel? Geralmente pobres, em sua maioria de negros. E quanto eles receberiam? Aquilo que todo mundo sabe: um valor muito inferior ao que vale seu imóvel, que seria lhe tomado em nome do “interesse público” através de um decreto de desapropriação. E quando ele fosse reclamar que recebeu apenas uns 20% do valor e que não conseguirá comprar outro imóvel parecido como seu em outro lugar, o que o governo de MG lhe dirá? Que, se ele acha o preço injusto, que “entre na Justiça”. A “justiça” que todos nós conhecemos: a que deixa bolsonaro matar milhares de pessoas com sua política de morte, a “justiça” que nunca prendeu Aécio Neves, a “justiça” que condenou, sem provas e manteve presos os jovens negros Rafael Braga e Heverton Enrique Siqueira, a justiça brasileira para os três “Ps”: pobres, pretos e putas.
Aí, a Ong AMDA, e outras “entidades” tentam convencer que o problema do Rodoanel é questão de traçado/trajeto, e propõem o que chamam de “alternativa”- um traçado/trajeto tão péssimo quanto o da Alça Sul. Qual o interesse destes que defendem o tal traçado/trajeto, dito alternativo? Alternativo para quem? Querem fazer da Serra do Rola Moça a nova Serra do Curral. De um lado linda e preservada, mas só uma casca; do outro, devastada por megaempreendimentos? Em resumo, o que se chama de alternativa é: “Aqui no meu quintal, não! Passe ali” Ou, na melhor das intenções é: “Vamos fazer o rodoanel num traçado/trajeto que seja menos danoso, que cause menos impacto”. Menos impacto para quem mesmo? Pode salvar fauna e flora à custa de destruir vidas humanas? Não pode passar dentro do Parque, mas pode passar na área de amortecimento do mesmo parque, mas do lado oeste? Destruindo mananciais de abastecimento público como Taboões, Balsamo, os vales dos rios Jatobá e Cercadinho? Como assim? Alguém acha que se secar os mananciais de água do lado de Ibirité não vai secar do lado de Brumadinho ou Sarzedo? Que lençol freático respeita divisão política? Isto é Racismo Ambiental. Saibam.
Sejamos honestos: não existe esse tipo de grande obra que seja “menos danosa”. Esse tipo de obra – que chamam de “desenvolvimento” – é de sua essência ser destruidora. Não vai destruir 20 mil famílias e vai destruir só 10 mil? Qual a diferença? Essas 10 mil vidas não importam? “São só 4 mil famílias…” E daí se fossem? “Não vai destruir todas as nascentes, só parte delas.” Toda nascente não importa em Belo Horizonte e RMBH que precisa dar água para 6 milhões de habitantes? “Vai prejudicar o patrimônio histórico e pré-colonial, mas é só história e memórias ancestrais.” Por quê? A história não é importante, não é ela que nos ensina a viver melhor e a não cometer os mesmos erros e crimes do passado?
E o argumento mais usado: “Nós precisamos deste rodoanel para resolver os problemas de trânsito na região metropolitana de BH.” É um argumento mentiroso. O rodoanel não resolve! Se analisarmos, honestamente, veremos que não. Para que serve um rodoanel de 106 km que só tem oito entradas/saídas dele? Para que ninguém entre ou saia, para que os cidadãos que precisam de uma rodovia mais rápida e com menos veículos não usem, mas seja usado apenas para grandes empresas transportadoras de mercadorias e minério, para viagens mais distantes.
E se nós conseguirmos usar, como fica? Você vai pagar, para início de conversa, R$ 3,50 por cada 10 km rodados, 35 reais se quiser atravessar toda a extensão do rodoanel. Ida o volta, só de pedágio será acima de 70 reais. Trabalhador/a terá condições de pagar este pedágio para ir trabalhar de segunda a sexta-feira? Óbvio que não. Os ônibus lotações, que carregam a população pobre, vão passar pelo rodoanel? Não! Praticamente nada, como acontece hoje com o Anel Rodoviário de BH! Portanto, não melhora nada também para os usuários de transporte coletivo.
O atual anel rodoviário de BH já matou centenas de pessoas. De 2014 a 2018, foram mais de 4 mil acidentes registrados. O rodoanel trará mais segurança do que o anel rodoviário? Com muitas curvas e descidas, estudos de engenharia já mostram que não, pelo contrário, é uma obra que matará mais, com tecnologia atrasada, que há muito não é mais usada na Europa, por exemplo.
Do que precisamos então?
De projetos comprometidos com economias de baixo carbono nas cidades, e não colocar veículos pesados circulando dentro da RMBH, produzindo mais CO2. Isto fere os compromissos internacionais firmados, bem como o Estatuto da Cidade. Precisamos que o dinheiro vindo do crime/tragédia que causou a morte de 273 pessoas pela mineradora Vale S/A em Brumadinho seja usado para melhorar o bem viver do povo e não para piorar a qualidade de vida das pessoas e atingi-las novamente.
Querem, mesmo, melhorar a mobilidade urbana na região metropolitana? Precisamos, então de investir em metrô: mais rápido, mais econômico, carrega mais pessoas, não se atrasa, tira ônibus das ruas. Metrô de Ibirité ao Barreiro e à Santa Luzia; de Nova Lima a Igarapé.
Precisamos investir no trem de passageiros, de Jeceaba a Belo Horizonte, oferecendo transporte para Moeda, Brumadinho, Mário Campos, Sarzedo, Ibirité.
Precisamos de transporte público por ônibus que tenha mais horários, qualidade, preços baixos, rapidez para diminuir a presença dos automóveis particulares nas vias.
No mais, é engodo. É tentar “passar a boiada”.
Obs.: Assista aos vídeos, abaixo, que apresentam a devastação socioambiental etc que causará.
1 – Movimento de BH e RMBH contra o RODOMINÉRIO apresenta a brutal devastação que o Rodoanel causará na RMBH – Por Henrique Lazarotti – 07/6/2021
2 – Preservação da Serra do Rola Moça integralmente, SIM; Rodominério, NÃO, NÂO! Mov. de BH/RMBH -6/6/21
3 – ALÇA NORTE do Rodoanel de Belo Horizonte e RMBH: Lugares, Pessoas, Bens Naturais/Culturais Ameaçados
4 – 2ª live – ALÇAS SUDOESTE e OESTE do Rodoanel/RODOMINÉRIO de Belo Horizonte e RMBH: Lugares, Pessoas, Bens Naturais e Culturais Ameaçados. Um debate ilustrado em tempos de retrocesso.
5 – Alça Sul do Rodoanel/RODOMINÉRIO de BH e RMBH: Lugares, Pessoas, Bens Naturais e Culturais Ameaçados
[1] Prof. Reinaldo Fernandes, de Brumadinho, MG / Historiadora e arqueóloga Alenice Baeta, de Ibirité, MG, ambos da Coordenação do Movimento de BH e RMBH Contra o Rodominério.