Carta aberta de Movimentos Sociais de Minas Gerais aos Candidatos/as ao Governo de MG por vida digna no campo e na cidade

Carta aberta de Movimentos Sociais de Minas Gerais aos Candidatos/as ao Governo de MG por vida digna no campo e na cidade

Início da Marcha da luta por DESPEJO ZERO em MG e pela VIDA. TJMG e Zema, BASTA DE DESPEJOS! 10/9/2020

Reivindicações para os/as candidatos/as ao Governo do Estado em 2022

Segundo pesquisa da Fundação João Pinheiro (FJP), baseada em dados do Censo de 2010, o déficit de moradias em Minas Gerais é de 557 mil casas. Significa que, naquele ano, esse era o número aproximado de famílias que viviam em situação precária de habitação no estado de Minas Gerais. No entanto, nós, Movimentos Sociais com atuação na pauta do direito à moradia digna estimamos que o déficit habitacional ultrapassa mais de 700.000 moradias no Estado, sendo 100.000 na capital Belo Horizonte, 150.000 casas na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) e 450.000 no interior do Estado. De outro lado, cruzando dados do Censo 2010, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), constata-se que há em Minas Gerais 689.000 imóveis vagos, ociosos sem cumprir sua função social. São ao menos 190 mil domicílios vagos apenas na RMBH e 64 mil na capital do Estado. É muita gente sem casa e muita casa sem gente! Especulação imobiliária e violação do direito humano de morar dignamente.

O próprio Governo do Estado de Minas Gerais possui inúmeros imóveis vagos não afetados a uma finalidade pública. Mas, ao invés de promover uma política habitacional efetiva, o governo Zema tem entregado os imóveis da Companhia de Habitação de Minas Gerais (COHAB-MG) ao mercado imobiliário, colocando em um Fundo de Investimento Imobiliário 2.100 imóveis, com mais de 1,5 milhão de m², ao valor de aproximadamente R$ 350 milhões.[1] Outro exemplo é a Lei Estadual 23.802/2021, de autoria do Governador Romeu Zema, que autorizou o Poder Executivo e o Departamento de Estradas e Rodagem (DER-MG) a vender para a iniciativa privada 74 imóveis que totalizam mais de 4,635 milhão de m². Cadê a responsabilidade do governo de Minas Gerais com as famílias pobres mineiras? Não bastasse a ausência de políticas públicas de provisão de moradia adequada, o que se tem visto é DESPEJO: política de remoção forçada e violenta do povo que ocupa terras ociosas para construir suas comunidades. Dados da Campanha Despejo Zero demonstram que, mesmo com a pandemia da COVID-19, mais de 125.684 pessoas foram despejadas no Brasil, outras 569.540 pessoas encontram-se ameaçadas de despejo forçado. Em Minas Gerais 2.306 famílias estão ameaçadas de despejos durante a pandemia e 1.141 foram despejadas. As pessoas em situação de rua alcançam a marca de 260.000 mil no Brasil, sendo 31.200 em Minas Gerais e estima-se 15.000 em Belo Horizonte, sendo que os despejos forçados podem agravar ainda mais esse cenário. O crescimento vertiginoso da população em situação de rua em todo território nacional e no estado de Minas Gerais reflete diferentes realidades de pessoas que perderam empregos e consequentemente a condição de manter um local digno de moradia tanto para si como para a família, estas pessoas não encontram, vivendo em situação de rua, uma política ou políticas capazes de promover a saída das ruas. Vivem na extrema pobreza, estão excluídos do mercado de trabalho, não acessam a rede de educação básica, não acessam água de forma regular e com o agravamento das crises econômica e social somadas aos efeitos da pandemia já é possível notar o retorno da fome entre este público. O governador Zema foi eleito em 2018 afirmando em seu programa que ocupações são crime e que famílias em estado de necessidade deveriam ser criminalizadas, devendo-se usar a força policial de repressão para coibi-las. Mas o povo segue resistindo, ocupando, construindo e consolidando seus lares e seus sonhos na luta coletiva. Só no Estado de Minas Gerais nos últimos 13 anos as ocupações asseguraram o direito à moradia para mais de 70.000 famílias pela luta direta, número superior às políticas públicas praticamente inexistentes nos últimos anos. Em 2022, pesquisa desenvolvida pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN), como parte do projeto VIGISAN, mostra que a insegurança alimentar se tornou ainda mais presente entre as famílias brasileiras. O número de domicílios com moradores passando fome hoje no Brasil corresponde a 15,5% (33,1 milhões de pessoas). A continuidade do desmonte de Políticas Públicas, o agravamento da crise econômica, o aumento das desigualdades sociais e o segundo ano da pandemia da Covid-19 mantiveram mais da metade (58,7%) da população brasileira em insegurança alimentar, nos mais variados níveis de gravidade. Neste ano, em abril de 2022, verifica-se que há em Minas Gerais 3.481.701 pessoas em situação de extrema pobreza (famílias com renda mensal de até R$105,01 per capita) e 939.297 famílias em situação de pobreza (famílias com renda mensal de até R$210,00 per capita), resultante de um projeto político orquestrado pelo governo federal e estadual de desfinanciamento, subfinanciamento e desmonte de Políticas Públicas de proteção social. O desemprego no país atinge a marca de 12 milhões de pessoas e a inflação está disparada corroendo o poder de compra das famílias. Outro dado é que 70% das famílias ganham até 2 salários mínimos, ou seja, sobre mês no fim do salário – o salário acaba antes mesmo que as famílias consigam comprar e pagar o básico como cesta básica, roupa e o aluguel. Só a cesta básica consome 56% do salário mínimo.

Aliado a esse cenário de barbárie que atinge os territórios em Minas Gerais o governador Zema possui uma lógica de operação de licenciamentos a priori, presumindo a inocência por parte dos agentes econômicos que favorecem negócios privados, devastam o meio ambiente, consubstanciando um modelo de mineração atrelado ao capitalismo neoliberal e ao neoextrativismo, radicado em estratégias corporativas das empresas para maximização dos lucros com a venda de commodities minerais. Produto dessa lógica dependente é a proposta de implementação do Rodoanel, na prática, um RODOMINÉRIO, uma parceria público privada, que consiste na construção de uma rodovia privada com pedágio mais caro do país, com capacidade para trânsito de veículos pesados com carga de minério, rasgando brutalmente 13 cidades/municípios da RMBH. O traçado do Rodoanel atinge cerca de 15 mil moradias, equipamentos públicos como escolas, áreas de proteção ambiental, nascentes, áreas verdes, territórios de comunidades quilombolas, da agricultura familiar, sítios históricos, sítios arqueológicos, igrejas, ocupações urbanas. Trata-se de um projeto que ignora a complexidade de diversos territórios populares e ancestrais, suas memórias e práticas de cuidado, viola o direito ao meio ambiente equilibrado dessas comunidades, gerando uma grave crise hídrica, ambiental e social, além de atingir a população periurbana e urbana da RMBH e que são hoje responsáveis pela preservação do meio ambiente. Considerando todo esse cenário, os Movimentos Sociais que assinam essa Carta Aberta aos Candidatos e Candidatas ao Governo do Estado de Minas Gerais, propondo a seguinte PAUTA DE REIVINDICAÇÃO que visa garantir a dignidade para o povo mineiro colocando o Estado e seu aparato para a proteção das pessoas em situação de vulnerabilidade e ao meio ambiente equilibrado.

São esses os dez pontos QUE REIVINDICAMOS:

1) Política de Despejo Zero no Estado de Minas Gerais, pela vida no campo e na cidade, obstando-se ações militarizadas de gestão de conflitos fundiários, a fim de evitar e reparar lesão ao direito fundamental à vida (art. 5º, caput; art. 227 e art. 230, da CF/88), à dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, CF/88); ao objetivo fundamental da República Federativa do Brasil de construir uma sociedade justa e solidária (art. 3º, inciso I, CF/88), e o direito fundamental à moradia (art. 6º e 23, inc. IX, CF/88);

2) O fortalecimento da Mesa Estadual de Diálogo e Negociação Permanente com Ocupações Urbanas e Rurais e outros grupos envolvidos em conflitos socioambientais e fundiários, com membros efetivos dos Movimentos Sociais e de assessoria técnicas, com recursos próprios e suficientes destinados à política de mediação de conflitos fundiários, nos aspectos orçamentário, de pessoal qualificado, de materiais adequados e bens, inclusive imóveis de banco de terras públicas desafetadas, que subsidiem os trabalhos e possibilitem a apresentação de soluções concretas de garantia do direito à moradia adequada e o direito à terra, priorizando a permanência das comunidades e que articule com as Prefeituras soluções pela aplicação dos instrumentos de política urbana, acesso à terra e de regularização fundiária, como forma de garantir o acesso à terra e o direito à moradia e a função social da propriedade na mediação e resolução do conflito;

3) Abertura das terras do Estado, não para a especulação, mas para o povo mineiro: destinação das terras públicas do Estado ociosas para a provisão habitacional, com suporte material e de pessoal do Estado, especialmente para os movimentos organizados de luta por moradia e processos de autogestão, com assistência e assessoria técnica que acompanha a luta dos Movimentos Sociais, como é o caso das universidades.

4) Articulação e incentivo para que as Prefeituras promovam a aplicação dos instrumentos de Política Urbana, como o parcelamento, edificação e utilização compulsórios, desapropriação sanção e arrecadação de bens imóveis abandonados, por meio de apoio técnico, aporte de recursos para construção de moradias populares e/ou condicionamento para acesso a recursos de transferência voluntária do Estado, entre outras medidas;

5) Fortalecimento das políticas de caráter social da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (COPASA) e outras – Companhias de água e esgoto – que atendem o Estado de Minas Gerais, da Companhia Energética de Minas Gerais (CEMIG), de maneira que se priorize a dignidade da pessoa humana no que toca ao acesso regular à água, luz e esgotamento sanitário com instalação e oferta de serviços independentemente de conflito em torno da propriedade da terra, bastando sua posse para que famílias sem-terra e sem-casa tenham direito de acesso à água e energia como bens comuns fundamentais; No caso da CEMIG que haja tratamento condigno ao direito à moradia para as 500.000 famílias que estão debaixo de torres de transmissão de energia desta Companhia;

6) Realização de uma política habitacional pela COHAB-MG e pelo Fundo Estadual de Habitação (FEH) que priorize uma política pública efetiva de provisão habitacional para famílias que compõe o déficit habitacional e que ganham até 3 salários mínimos, aquisição de material de construção para auto-gestão de Movimentos Sociais, produção de lotes urbanizados da COHAB para habitação de interesse social, aquisição de terrenos para implantação de projetos habitacionais, desenvolvimento de programas habitacionais integrados, que compreendam a construção de unidades habitacionais, o provimento de infraestrutura, a instalação de equipamentos de uso coletivo e o apoio ao desenvolvimento comunitário;

7) Desmilitarização da gestão de conflitos fundiários e descriminalização das ocupações de terrenos ociosos buscando-se sempre o estabelecimento de processos de negociação que envolvam as partes afetadas pelo conflito, instituições e órgãos públicos e entidades da sociedade civil vinculadas à luta pela terra, buscando-se a garantia do direito à moradia digna e adequada e impedindo violações de direitos humanos. Trata-se de uma política de prevenção e mediação de conflitos fundiários que seja intersetorial, não concentrando-se a atuação em comunidades pela repressão perpetrada pela Polícia Militar do Estado de Minas Gerais (PMMG); Nesse sentido cabe à PMMG, em casos de ocupação de terras, registrar o Boletim de Ocorrência e aguardar que o Poder Judiciário defina sobre a posse do imóvel;

8) Maior controle do Estado e da sociedade civil nos processos de licenciamento fortalecendo uma política de garantias e respeito aos direitos dos atingidos por projetos público-privados e empreendimentos extrativistas estabelecendo-se a observância da consulta prévia, livre e informada e negociações coletivas.

9) Criação de uma política estadual para tratamento das moradias em áreas de risco que envolva a prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação voltadas à proteção e defesa civil e inserção de famílias atingidas por eventos naturais que gerem o desabrigamento em programas de habitação de interesse social específicos.

10) O arquivamento do megaprojeto do Rodoanel/RODOMINÉRIO e propomos:

1. uma mobilidade urbana construída sobre trilhos (estrada de ferro e metrô) e com transporte rodoviário e cicloviário de qualidade;

2. a reativação da malha ferroviária da Região Metropolitana – que hoje só serve pra carregar o minério da Vale, mas que um dia já transportou as pessoas – e sua adequação às atuais necessidades de mobilidade urbana;

3. a ampliação do metrô de Belo Horizonte, atingindo toda a Região Metropolitana a qual, tendo uma população de 6 milhões de habitantes, deveria oferecer 66 estações de embarque/desembarque, mas tem apenas 19 – um déficit de 47 terminais;

4. a revitalização do atual Anel Rodoviário;

5. a retomada de um Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado, a exemplo do PDDI de 2010, que reuniu em sua elaboração e aprovação milhares de participantes e 600 entidades da sociedade civil, construindo propostas de desenvolvimento sustentável, integrador e participativo para a Grande Belo Horizonte;

6. a anulação do processo de licitação do projeto do Rodoanel, por não ter seguido os ritos legais e éticos de transparência, em termos da participação popular;

7. o respeito à Convenção 169 da OIT, que garante os direitos das Comunidades Tradicionais.

Assinam essa Carta Aberta aos Candidatos/as ao Governo de MG em 2022:

1 – Brigadas Populares

2 – Comissão Pastoral da Terra (CPT-MG)

3 – Movimento de Libertação Popular (MLP)

4 – Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB)

5 – Movimento Luta Popular

6 – Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR)

7 – Movimento Nacional de Luta Por Moradia (MNLM)

8 – Movimento de Organização de Base (MOB)

9 – Movimento Serra Sempre Viva e CEDEFES

10 – Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST)

11 – Pastoral de Rua

12 – Associação Pró Moradia a Vitória é Certa ( APROMOVICER)

13 – Associação morada de Belo Horizonte – Minas Gerais

14 – Pastoral Metropolitana dos Sem Casa

15 – Núcleo de Sem Casa Santíssima Trindade

16 – Centro Comunitário Pró Construção e Desenvolvimento do Taquaril

17 – Núcleo Habitacional São Pedro

18 – Comunidade de Moradores em Áreas de Risco do Anel Rodoviário (CMAR)

19 – Associação Habitacional Nicanor dos Santos de Luta pela Moradia

20 – Associação Habitacional do Bairro Vila Clóris e Adjacências

Belo Horizonte, 13 de setembro de 2022

Obs. 1: Esperamos que os/as Candidatos/as ao Governo de Minas Gerais se posicionem publicamente sobre as reivindicações desta Carta Aberta.

QUAIS CANDIDATOS/AS ACEITAM REGISTRAR EM CARTÓRIO OU DIVULGAR VÍDEO SE COMPROMETENDO COM O TEOR DESTA CARTA ABERTA?

Obs. 2: Outros Movimentos Sociais e Entidades de luta por direitos que quiserem assinam também esta Carta Aberta, envie e-mail para Frei Gilvander: gilvanderlm@gmail.com

Obs. 3: Segue, abaixo, em Vídeo, a Carta aberta de Movimentos Sociais de Minas Gerais aos Candidatos/as ao Governo de MG por vida digna no campo e na cidade.


[1] Em plataforma virtual COHAB e BDMG firmam parceria para criar Fundo Imobiliário: http://www.cohab.mg.gov.br/em-plataforma-virtual-cohab-e-bdmg-firmam-parceria-para-criar-fundo-im obiliario/