Carta Política do Encontro Estadual da RENAP/MG com os Movimentos Populares no Norte de Minas Gerais
Nos dias 20 e 21 (vinte e vinte e um) de julho de 2018 (dois mil e dezoito), nós, Advogadas/os Populares, Povos e Comunidades Tradicionais Geraizeiras, Vazanteiras, Pescadoras, Quilombolas, Sem Terra, estudantes e representantes de movimento de moradia, e militantes de várias regiões do Estado de Minas Gerais e da Bahia, reunimo-nos em Montes Claros/MG para o Encontro Estadual da Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares de Minas Gerais (RENAP-MG) e Movimentos Populares. Neste encontro refletimos sobre os conflitos territoriais rurais e nossa atuação diante de uma conjuntura internacional, nacional e estadual de acelerada ascensão neoliberal e de retrocessos de direitos, amparada por uma elite ruralista, conservadora e racista.
A conjuntura no Norte de Minas é de intensificação da violência rural e urbana, com atuação truculenta de grupos de latifundiários e empresários que ameaçam e perseguem os povos e comunidades tradicionais e movimentos sociais que lutam pela regularização de seus territórios, pela reforma agrária e pela reforma urbana. Encontramos relatos sobre o avanço de grandes empreendimentos de mineração, de hidrelétrica, de termoelétrica, do agrohidronegócio, das sobreposições de unidades de conservação e da violência dos latifundiários sobre o direito essencial dos povos tradicionais à água, à moradia, à terra e ao território.
O norte mineiro possui um histórico de grilagem de terras públicas, de expulsão dos Povos e Comunidades Tradicionais de seus territórios, de assassinatos e de ameaças de morte às lideranças. A região possui um dos maiores índices de violência no campo brasileiro, praticados pelo poder das oligarquias ruralistas e das mineradoras, conforme o Caderno Conflitos no Campo Brasil, da CPT. As medidas de identificação, de demarcação e de reconhecimento dos territórios tradicionais pelo poder público, que tem o potencial de resguardar as vidas no campo, estão em completa dormência institucional, ao antagônico passo que cada vez mais o Estado e a União licenciam, de forma prioritária e célere, projetos de mineração e do agrohidronegócio, de grande porte e com potencial de causar poluição e degradação ambiental.
São conflitos agrários e socioambientais que desafiam advogadas/os populares a reinventarem seus métodos de trabalho, seja para a garantia de vitórias estratégicas em um sistema de justiça elitista, patriarcal, racista, antidemocrático e permeado pelos interesses das grandes corporações e do latifúndio; seja para o fortalecimento do protagonismo dos povos e comunidades tradicionais e dos movimentos populares, com a formação de juristas populares, para autoproteção e autodefesa.
Diante desse contexto, nós, advogados/as, comunidades, entidades e movimentos populares, comprometidos com as causas populares e articulados/as, reafirmamos nosso compromisso com a luta dos povos e comunidades tradicionais e dos movimentos sociais do campo e da cidade.
Repudiamos:
– a ofensiva dos latifundiários e a formação de milícias usurpadoras dos direitos do campesinato, em especial o Movimento “Paz no Campo” ou “Segurança no Campo”;
– A ação da Superintendência de Patrimônio da União (SPU), que cancelou audiências públicas nos territórios constituídos no Rio São Francisco, postergando assim as providências assecuratórias à implementação da função social da terra e à pacificação dos conflitos agrários;
– A matéria racista e ofensiva, “GRUPOS DESTROEM VEGETAÇÃO PERTO DO RIO SÃO FRANCISCO”, de cunho tendencioso e racista divulgada pela BAND (Rádio e Televisão Bandeirantes S.A.), em seus veículos de comunicação social que criminaliza quilombolas, ribeirinhos, pescadores, integrantes do Movimento Sem Terra (MST), ONGs e a Comissão Pastoral da Terra (CPT), invertendo o valor relevante do modo de vida das populações tradicionais para Rio São Francisco e seu ecossistema. Bem como as declarações do Desembargador do TJ/MG Antônio Bispo, que demonstra ignorância sobre as legislações ambientais que tratam dos direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais; e de forma parcial omite os impactos ambientais do latifúndio, do agrohidronegócio, do agrotóxico e da mineração no Rio São Francisco[1].
– O desmonte da política de reforma agrária e de titulação de territórios tradicionais em âmbito federal;
– A destruição do meio ambiente promovida pelos grandes empreendimentos agropecuários, energéticos e minerários.
E reivindicamos:
– A efetividade das políticas públicas de reforma agrária e de reforma urbana para os povos e comunidades tradicionais;
– Que a União e o Estado de Minas Gerais não licenciem grandes empreendimentos que destroem a natureza e expropriam os territórios tradicionais;
– Que as terras públicas sejam destinadas aos Povos e Comunidades Tradicionais, para a reforma agrária e urbana;
– Que a SPU, realize as audiências públicas e celebre o termo de autorização e de uso sustentável (TAUS) com os ribeirinhos do Rio São Francisco, até a regularização fundiária definitiva dos territórios tradicionais;
– Que a Band – Rádio e Televisão Bandeirantes S.A. -, garanta o direito de resposta acerca da matéria divulgada de forma racista e ofensiva contra quilombolas, ribeirinhos, pescadores, integrantes do MST, ONGs e a CPT que vivem à margem e lutam em defesa do Rio São Francisco;
– Que a conduta do Desembargador Antônio Bispo seja devidamente apurada pelos órgãos de controle do sistema de justiça, pela manifestação dada na matéria acima referida, veiculada pela BAND;
– Que seja implementada, o mais rápido possível, a Ouvidoria Externa da Defensoria Pública de Minas Gerais, na busca de uma Defensoria fortalecida e com capacidade de ampliar sua escuta e atuação em atendimento às demandas dos povos empobrecidos e injustiçados de todo o Estado, com o apoio dos movimentos sociais populares.
Assina a presente carta:
Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares – RENAP-MG
Associação de Advogados/as de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia – AATR
Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos
Brigadas Populares
Cáritas Brasileira Regional Minas Gerais.
Coletivo Margarida Alves de Assessoria Popular;
Coletivo São Francisco de Assessoria Jurídica Popular;
Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Minas Gerais;
Comissão Pastoral da Terra (CPT);
Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP);
Movimento de Atingidos por Barragens (MAB-MG);
Movimento dos pescadores e pescadoras artesanais do Brasil (MPP-MG)
Movimentos dos/as Trabalhadores/as Rurais Sem Terra (MST-MG);
Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB);
Pós Graduação do Instituto de Direitos Humanos IDH.
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Riacho dos Machados;
Sindicato dos Advogados de Minas Gerais – SINAD.
[1] Ver: http://www.cptmg.org.br/portal/nota-de-repudio-a-reportagem-da-tv-band-quem-de-fato-esta-devastando-as-margens-do-rio-sao-francisco/