Decisão exemplar de um desembargador do TJMG: efeito suspensivo em Liminar de Reintegração.

Decisão exemplar de um desembargador do TJMG: efeito suspensivo em Liminar de Reintegração.

Dia 10 de agosto de 2018, o desembargador Dr. Manoel dos Reis Morais, da 10ª Câmara Cível do TJMG expediu uma decisão que precisa ser lida e, oxalá, se tornar modelo inspirador para juízes das Varas Cíveis, Varas Públicas e Varas Agrárias. Eis, abaixo, a íntegra da decisão, primeiro em word e depois em pdf. Se você gostar, compartilhe. O que é justo e ético precisa ser socializado. Abraço terno na luta. Frei Gilvander Moreira, da CPT/MG.

Poder Judiciário do Estado de Minas Gerais Tribunal de Justiça

N° 1.0000.18.085647-8/001 – AGRAVO DE INSTRUMENTO-CV N° 1.0000.18.085647-8/001 AGRAVANTE(S) AGRAVADO(A)(S) – 2 0 1 8 0 0 0 9 2 5 9  3 7

10° CÂMARA CÍVEL BELO HORIZONTE MINISTÉRIO PÚBLICO ISRAEL MARQUES

Vistos etc.,

0 MINISTÉRIO PÚBLICO DE MINAS GERAIS agrava da decisão proferida nos autos da ação de reintegração de posse movida por ISRAEL MARQUES em face de NATANAEL DE TAL e OUTROS, integrantes do MST, que deferiu a tutela antecipada requerida pelo Autor (ordem n. 2).

Sustenta, preliminarmente, a nulidade da decisão em razão do descumprimento da Resolução TJMG n. 438, de 2004, e por  ausência de tentativa de conciliação/mediação. No mérito aduz: (1) ausência dos requisitos essenciais a concessão da liminar; (2) no caso de imóvel rural a posse é caracterizada pelo exercício de uma das formas de atividade agrária produtiva voltada para a função social da propriedade; (3) não  houve inspeção judicial no imóvel nem audiência de justificação prévia, sen do a decisão proferida com base unicamente nos documentos constantes dos autos. Pugna pela atribuição de efeito suspensivo ao recurso e pede provimento com a cassação da decisão ou, eventualmente, com a revogação da medida liminar deferida.

E o relatório.

0 CPC/15, em seu art. 1.019, estabelece que, “recebido o agravo de instrumento no tribunal, e distribuído imediatamente, se  não for o caso do art. 932, incisos III e IV, o relator, no prazo de 05 dias (…) poderá  atribuir  o  efeito  suspensivo  ao  recurso,  ou  deferir, em

antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, comunicando ao juiz sua decisão.” (inc. I).

E acerca da possibilidade de concessão de efeito suspensivo ao recurso, o parágrafo único do art. 995 do CPC/15 dispõe que a eficácia da decisão recorrida poderá ser suspensa se da imediata produção de seus efeitos houver risco de dano grave, d -° dificil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso.

O objetivo deste agravo é obter provimento para que seja reformada a decisão que deferiu a liminar de reintegração de posse em favor da parte Agravada em detrimento de pessoas vinculadas ao Movimento dos Sem Terra –  MST, que teriam ocupado o imóvel objeto da lide.

Pois bem.  Ao que consta, o Autor é proprietário/possuidor de um imóvel rural denominado Fazenda Jerusalem, siituada no município de Governador Valadares, MG. Narra que referido imóvel foi objeto do suposto esbulho ocorrido em 15/5/2018, quando os integrantes do MST “invadiram parte do seu imóvel, cometendo várias atrocidades, praticando furto, vandalismo, ameaçando o caseiro e sua familia”.

Nesse sentido, trata-se de um desapossamento praticado, em tese, há menos de ano e dia (vez que esta ação foi originariamente distribuida pelo sistema PJe em 08/6/2018), o que o caracteriza como de “força nova”, devendo ser observadas as regras do art. 558 e seguintes do CPC/15.

E especificamente acerca da “medida Iiminar” de reintegraqéo de posse, dispõe o art. 561 do CPC/15 que pocderá ser deferida caso a petição inicial esteja devidamente instruída, cabendo ao Autor demonstrar, dentre outros requisitos, sua ”posse”, a ”turbação” e a “data do fato”.

E, data venia, mencionados requisitos, que transbordam a seara tipicamente possessória, por se tratar de um conflito multitudinário, não se encontram comprovados, principalmente no que respeita a posse , como adiante será assinalado.

Note-se que este Des. Relator não desconhece que, na hipótese de serem demonstrados documentalmente os requisitos da liminar reintegratória, é dispensavel a audiência de justificação de posse. Porém, quando se depara com um conflito envolvendo muitas pessoas e/ou familias, deve-se ter enorme cuidado, pois está em jogo não apenas a retomada da “posse” do imóvel, mas, sobretudo, o direito daqueles que “nada possuem” de ocupar um espaço no mundo.

Então, “como resolver a quaestio?“

Não se olvida que a solução é dificil de ser encontrada, mas a própria questão aponta para a gravidade do conflito, pois, se de um lado há o direito a reintegração da posse, de outro não se pode, simplesmente, alijar os ocupantes e enviá-los para o “sem rumo”. Noutros termos, deve-se recorrer a um conceito de Direito que está para além do revolvimento de regras possessórias, isto é, de um conceito que prime pela “harmonia na convivência”.

E é dever do Estado — Executivo, Legislativo e Judiciario — buscar essa convivência harmônica, pena de se reinstaurar o imaginado “conflito de todos contra todos”, cantado e decantado desde Thomas Hobbes no seu Leviatã, mas idealmente escoimado com a vigência da Constituição da República ao propor como diretriz da República Federativa do Brasil a fundação de uma “sociedade fraterna” com a asseguração do “exercício dos direitos sociais” [vide preâmbulo).

Alguém poderia objetar que isso depende do “respeito” aos Direitos e que da propriedade decorre a “posse”, sendo aquela assegurada pela própria Carta Maior em seu art. 5°, caput, XII; porém, não  se deve esquecer  que a própria Lei Maior estabelece  que a “propriedade” deve atender a sua função social (inc. XIII do mesmo artigo). E, é logico, há outros norteamentos no próprio Regramento Maior quanto ao que se deve entender sob e a função social da propriedade (art. 170, III c/c os arts. 184 e 186).

Veja-se que o que se pretende pontuar com essa digressão é que o conflito multitudinário sobre a posse de imóvel não deve ser tratado como mera ação possessória entre “particulares”, mas como um fato extremamente relevante que remete à harmonia social. Portanto, deve-se ter à frente o ideal da convivência fraterna em primeiro lugar e, a partir das normas e princípios constitucionais, intentar o melhor encaminhamento possível para o problema, a fim de que não haja, mais ainda, o esgarçamento do tecido social.

E, com efeito, foi com esse intuito que a Vara Agrária surgiu no

  1. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, em atenção ao comando constitucional que dispõe:

Art. 126. Para dirimir conflitos fundiários, o Tribunal de Justiça proporá a criação de varas especializadas, com competência exclusive para questões agrárias.

Parágrafo Único. Sempre que necessário a eficiente prestação jurisdicional, o juiz far-se-á presente no local do litígio.

Ademais, a Resolução TJMG n. 438, de 2004, que regulamenta o funcionamento da Vara Agrária, expressamente estipulou:

Art. 5° – Recebidos os autos e havendo urgência, o Juiz da Vara de Conflitos Agrários deslocar-se-á ao local do conflito, tomando as providências que entender pertinentes.

Veja-se que, de um lado, a Constituição da República menciona que “sempre que necessário a eficiente prestação jurisdicional, o juiz far-se-á presente no local do litígio” e ao regulamentar o funcionamento da Vara Agrária, optou o e. TJMG por determinar, sempre que se a urgncia o requerer, que o jui “deslocar-se-é ao local do conflito, tomando as providências que entender pertinentes” (art. 5°).

Todavia, imprescindível aconselhar que essas regras não se traduzem em “faculdade” para o Magistrado quanto a comparecer ou não ao local, mas em um “imperativo ético”, pois, repita-se, está em jogo a harmonia social ou a constituição de uma comunidade fraterna. Logo, em que pese ter sido mencionado anteriormente que seria até dispensável a audiência de justificação de posse quando da análise da “medida liminar’, conforme determina o CPC/15, tratando-se de conflito multitudinário o ifer deve ser outro, qual seja: “obrigação quanto ao juiz de direito comparecer ao local para, junto aos contendores, encontrar uma solução que seja, o mais próximo possível, o ideal da harmonia” (a propósito, vide art. 3°, § 3° do CPC/15).

Exige-se, nesses casos, “boa vontade” — ou um querer  mesmo que haja no país o real Estado Democrático de Direito, i.é, uma comunidade solidária e fraterna — por parte do Magistrado, dos Juízos e dos Tribunais como um todo. AIiás, só se constrói um tal arquétipo — Estado Justo — quando há o empenhamento autêntico de todos os envolvidos e, em tais situações, todos estão compelidos eticamente a atuar.

Isso não quer dizer que a “medida liminar” não deva ser deferida, mas, reitere-se, se for o caso do deferimento, devem ser tornados muitos cuidados, justamente para que não haja, mais ainda, “afronta aos direitos” daqueles que, hipoteticamente, ou em tese, não possuem mínimos direitos sociais, como a “moradia” ou “trabalho” (art. 6° da CR), que congregam uma espécie de núcleo axiológico para a projeção do ser humano como humano.

E, aliado a isso, ganham também contornos de importância as alegações propostas na inicial do agravo no que respeita a “posse agrária”, caracterizada pela existência de atividade agropecuária produtiva e a questão da função social da propriedade.

Frise-se, também, que parece nao ter sido observado o regramento instituido pela Lei Estadual n. 13.604, de 2000 (comissão estadual para acompanhar a desocupação).

E essas proposições poderiam ser facilmente comprovadas com a presença do Magistrado no local dos fatos, ocasião em que poderia verificar se há ou não “posse agrária” ou se o imóvel atende ou não a “função social”. Contudo, não é só, sempre acompanhado — com intimação prévia —, tanto da Defensoria Pública Estadual quanto do Ministério Público (arts. 176, 178, III e 185 do 4CPC).

A propósito do tema:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. A/AO DE REINTEGRA/AO DE POSSE. LITÍGIO COLETIVO. TERRA RURAL. DESLOCAMENTO DO MAGISTRADO AO LOCAL DO CONFLITO. INTIMAÇÃO PRÉVIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

NECESSIDADE.  RESOLUÇÃO N° 438/2004 DO

TJMG.  I – As normas da       resolução n° 438/2004, deste e. Tribunal de Justiça impõem ao magistrado da Vara de Conflitos Agrários a observância de um procedimento especial, diante das especificidades das lides possessórias de sua competência. II – Por ser assim, o comparecimento do juiz ao local do conflito e a oitiva do Ministério Público, previamente ao deferimento de liminar possessória, constituem condutas indispensáveis para garantir a lisura e a legitimidade do procedimento. III – Preliminar de nulidade da decisao acolhida. V.v.: 1 – Tendo o Julgador considerado os fatos e documentos suficientes para a formaçã de seu convencimento, bem como flagrante a situação de urgência, entendo que não constitui hipótese de nulidade da decisão agravada, que deferiu a liminar sem realizar vistoria no imóvel e antes da oitiva do Ministério Público. 2 – Os artigos 5° e 10 da Resolução 438/04 do Tribunal de Justiqa não vinculam o Juiz, pois apenas lhe fazem recomendação.

(TJMG. AI n. 1.0000.17.025111-0/001, Relator: Des. Vicente de Oliveira  Silva  10a  CÂMARA CÍVEL, julgamento em 04/07/2017, publicação da súmula em 07/07/2017).

Com essas considerações, observando-se a relevância dos argumentos expendidos pelo Ministério Público, bem como, ou em tese, um hipotético descumprimento do intento da Vara no que respeita a encontrar a “harmonia social” quando da solução dos conflitos multitudinários, impõe-se, neste momento da lide, deferir o pretendido “efeito suspensivo”.

Diante do exposto, DEFERE-SE o pedido de efeito suspensivo nos termos da fundamentação expendida.

Intimem-se os Agravados para, caso queiram, apresentar contraminuta no prazo legal.

Oficie-se ao i. Magistrado a quo para, entendendo necessário, prestar informações, principalmente no que diz respeito ao comparecimento ao local dos fatos, oitiva dos contendores, verificação da existéncia ou não da posse e eventual juízo de retratação, no prazo de 10 (dez) dias.

Após, remetam-se os autos a Procuradoria Geral de Justiqa, para parecer.

Publique-se e cumpra-se, com urgência.

Belo Horizonte, 10 de agosto de 2018.

DES. MANOEL DOS REIS MORAIS

Relator

Decisão paradigmática do des Dr. Manoel dos Reis Morais do TJMG – 10 8 2018