Despejo iminente da Comunidade Quilombola Vila Teixeira Soares, em Belo Horizonte, MG: injustiça gritante.

Despejo iminente da Comunidade Quilombola Vila Teixeira Soares, em Belo Horizonte, MG: injustiça gritante.

Além de nunca terem sido ouvidos ou consultados sobre o processo, famílias teriam sofrido assédio / Foto: Amélia Gomes

A Associação de Moradores do bairro de Santa Tereza, em Belo Horizonte, MG, vem a público se manifestar veementemente contra o desalojamento da Vila Teixeira Soares, comunidade tradicional quilombola consolidada que está sob ameaça de despejo por uma ordem judicial ilegal, inconstitucional e injusta. São 16 famílias que estão para serem despejadas no próximo dia 25 de julho de 2019, sem qualquer indenização ou reassentamento prévio.

 A ameaça do despejo impulsionou as famílias da Vila Teixeira Soares a resgatarem sua memória, construir sua linha do tempo e se reconhecer como Quilombo Urbano – o 4º em Belo Horizonte – por meio de assembleia de auto declaração realizada no último dia 30 de junho, que contou com a participação da nossa Associação, parlamentares, Ministério Público, etc. O risco do despejo também fez lideranças da Vila retornarem à terra de origem da matriarca e do patriarca fundadores da comunidade para comprovar e obter certidão oficial de batismo do patriarca Petronillo registrado no “livro de batismo dos escravos”. Esse e muitos outros documentos oficiais foram encaminhados à Fundação Palmares para fins de reconhecimento do território como remanescente quilombola passível de proteção, nos termos do Decreto Nº 4.887/2003 e da Portaria FCP Nº 98/2007.

Parte considerável da área é território ancestral negro autodeclarado e que batalha pelo seu reconhecimento como comunidade remanescente quilombola, situada no bairro Santa Tereza, patrimônio histórico da capital mineira. A Vila se forma no início do século XX, pela matriarca negra Elisa, nascida sob a Lei do Ventre Livre, casada com Petronillo, que foi pessoa escravizada até a promulgação da Lei Áurea em 1888. Ambos se casaram e migraram do interior do estado de Minas Gerais, cidade de Além Paraíba, para Belo Horizonte, em busca de melhores condições de sobrevivência. Instalaram-se no bairro de Santa Tereza antes de 1915, ano em que nasceu um dos filhos do casal registrado em cartório já na capital. O patriarca Petronillo chegou a trabalhar na construção da Igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem, padroeira de Belo Horizonte. O terreno em que construíram sua morada fazia parte da Ex-Colônia Américo Werneck e foi adquirido em 1923, conforme contrato de compra e venda que foi levado a registro. As famílias ameaçadas de despejo pagam IPTU ao município desde o ano de 1955! São contribuintes e não são considerados como pessoas cidadãs.

Frente a todo esse histórico, a Associação como representante dos moradores considera arbitrária a remoção desta comunidade centenária, a qual testemunhou e participou da construção das primeiras décadas de construção da capital mineira, enquanto luta pelo reconhecimento como comunidade remanescente quilombola. Isso num processo no qual as famílias atuais sequer puderam se defender, pois não fizeram parte da ação. Cadê o devido processo legal? Importante atentar que a ação demarcatória na qual foi determinado o desalojamento da Vila Teixeira Soares foi ajuizada somente em 1970, contra vários réus incluindo o Clube Oásis, ou seja, mesmo se o título de compra e venda do imóvel fosse irregular, muito tempo antes do ajuizamento da referida ação demarcatória já estava configurado em favor das famílias da Vila Teixeira Soares o direito à usucapião.  

A área a ser desalojada na fração onde se encontra a Vila Teixeira Soares também não foi devidamente demarcada por perícia. Em função disso e outros argumentos, a Defensoria Pública de Minas Gerais, da área de Direitos Humanos protocolou pedido de suspensão da ordem de despejo ilegítima e que não foi nem conhecida pelo juiz de direito Dr. Fernando Lamego Sleumer no âmbito do Processo nº 0024.83.104.755-0 (comarca de Belo Horizonte). A mesma Defensoria também entrou perante a Prefeitura Municipal com o requerimento previsto na Lei nº. 13.465/2017, denominado REURB – S, com a finalidade de garantir o direito das famílias à regularização fundiária plena e à segurança jurídica da posse. O despejo jamais poderia ser cumprido antes de analisado o mencionado pedido administrativo de REURB – S. Apesar de informado disso, o juiz Lamego manteve a validade da ordem de retirada forçada das famílias. 

A Associação está se mobilizando em favor dessa comunidade tradicional que faz parte do Conjunto Urbano de Santa Tereza aprovado no dia 04 de março de 2015 pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Belo Horizonte fixando diretrizes e parâmetros urbanísticos fundamentais à preservação dos modos de vida e da riqueza arquitetônica do bairro de Santa Tereza. Nesse sentido, foi encaminhado parecer técnico requerendo providências à Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal (MPF) e à Diretoria de Patrimônio Cultural, Arquivo Público e Conjunto Moderno da Pampulha – DPAM da Fundação Municipal de Cultura. Aliás, a Diretoria de Patrimônio já se manifestou, em resposta ao ofício do Ministério Público Federal, dizendo que:

“Ressaltamos que enquanto a DPAM realiza os estudos sobre a pertinência do Registro solicitado, e para que tal investigação seja viável, é de fundamental importância que sejam garantidas as condições materiais e simbólicas de existência e reprodução cultural desta comunidade; compreendendo por isso a sua permanência no imóvel/território e a continuidade de suas práticas culturais”.

Nesse cenário, no qual consideramos ilegal a investida do Poder Judiciário, em sintonia com interesses econômicos que recaem sobre o imóvel e pisoteiam em direitos dos moradores, especialmente da Vila Teixeira Soares, estaremos trabalhando junto aos afetados para  impedir o despejo desse território tradicional inserido em nosso bairro que é considerado patrimônio imaterial da cidade de Belo Horizonte, dotado de arquitetura, singularidades, manifestações culturais e modos de vida que devem ser preservados. 

Por fim, diante da iminência do despejo das famílias da Vila Teixeira, COMUNIDADE QUILOMBOLA AUTO DECLARADA, exigimos uma atuação incisiva da Prefeitura de Belo Horizonte para impedir sua concretização, bem como convocamos à população da cidade, sensível à esta situação, a difundir esse comunicado público e se engajar em defesa de seus vizinhos desse novo quilombo urbano que busca seu reconhecimento enquanto tal e a conquista definitiva do seu território ancestral.  

Assinam esta nota:

Associação Comunitária de Santa Tereza;

Brigadas Populares

Gabinetona

Comissão Pastoral da Terra (CPT/MG)

Belo Horizonte, 4 de julho de 2019