Governo de Minas usa fundo de reparação às vítimas de Brumadinho para ampliar mineração em territórios tradicionais
Desde o ano passado, as comunidades geraizeiras do território tradicional do Vale das Cancelas, os Vacarianos, as comunidades quilombolas e indígenas do Norte de Minas e do Vale do Jequitinhonha denunciam mais violações de direitos cometidas contra seus territórios de vida por empresas ligadas ao setor de mineração e pelo estado. Mesmo o estado sendo palco das tragédias de Mariana e Brumadinho, provocados pelas mineradoras Samarco, Vale e BHP, o governo segue fragilizando legislações e abrindo portas para a exploração mineral.
Em 2022, a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico (SEDE/MG), por meio da Superintendência de Política Minerária, Energética e Logística (SPMEL), deu início a um projeto de Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) para exploração de minério de ferro em todo o estado. Como um dos graves erros apontados pelas populações de comunidades afetadas, desde a origem do projeto, ressalta-se o fato de que a iniciativa, segundo a própria SEDE, foi uma das contempladas com os recursos financeiros destinados à reparação aos danos ambientais ocasionados pelo rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG).
As atividades da AAE, iniciadas em formato de oficinas em junho do ano passado, estão sendo conduzidas pela empresa contratada Tetra Mais Consultoria Ltda. Sob o contrato nº 9327467/2022, que designa prazo de 14 meses para finalização, os recursos para a avaliação de exploração do ferro somam o valor de R$1.841,947,30 – quase dois milhões de reais. Entre as regiões que as ações do projeto incidem está a nomeada como Distrito Ferrífero de Nova Aurora, região onde povos e comunidades ocupam o território tradicionalmente e que compõe o único geossistema ferruginoso não explorado por mineradoras no país.
Segundo as comunidades geraizeiras, “o que choca e indigna é o uso de recursos de um crime contra a vida humana e biodiversidade, cometido pela mineradora Vale em Brumadinho, ser utilizado para ampliar a atividade mineral no estado de Minas Gerais”. Além disso, as populações dos distritos locais denunciam a falta de processo de escuta rigoroso e com lisura, já que indicam a possível manipulação dos resultados das entrevistas pela empresa responsável.
“A base de dados das entrevistas realizadas têm pressupostos definidos, a fim de definir um resultado previamente calculado pela empresa responsável pela aplicação das mesmas. Também questionamos os critérios usados e a base de dados que subsidiou a empresa para definir as áreas de abrangências desse novo complexo que estão chamando de Nova Aurora. Esse projeto afeta vários povos e comunidades, compromete as Bacias do Rio Pardo, Jequitinhonha e São Francisco com suas nascentes, afluentes e os rios que compõem essas três bacias nos diversos territórios”, diz trecho de denúncia apresentada pela Comissão Pastoral da Terra Minas Gerais (CPT-MG).
O projeto
O projeto de Avaliação Ambiental Estratégica para o minério de ferro prevê a realização de pelo menos oito oficinas em três diferentes regiões de Minas Gerais, sendo elas o intitulado Quadrilátero Ferrífero, que abrange 35 municípios, entre eles Brumadinho e Mariana; a Borda Leste da Serra do Espinhaço, contemplando 11 municípios; e o Distrito Ferrífero de Nova Aurora, que atinge o Norte de Minas Gerais.
A criação do Distrito Ferrífero de Nova Aurora inclui os municípios de Rio Pardo de Minas, Riacho dos Machados, Porteirinha, Serranópolis de Minas, Grão Mogol e Fruta de Leite, estes localizados em três bacias hidrográficas e no referido geossistema ferruginoso ainda não explorado. A região também é uma das que possuem os últimos remanescentes de Cerrado, Caatinga e Mata atlântica do estado, abrangendo uma área de pelo menos 250 mil hectares, segundo os estudos do Instituto Prístino.
“Entendemos que abrir mão da proteção dos territórios sagrados em benefícios das grandes mineradoras, numa região semiárida como a dos Vales do Jequitinhonha, Rio Pardo e São Francisco é atentar contra a vida desses povos e comunidades, uma vez que a área ferruginosa é um aquífero que faz a distribuição das águas e mata a sede de milhares de pessoas e animais do sertão Norte Mineiro”, relatou a equipe da CPT do Norte de Minas.
Sob o pressuposto de estar pautado em ações de “economia sustentável”, tal instrumento do estado, na verdade, coloca em risco toda a biodiversidade das regiões, especialmente a que ainda se encontra conservada, no norte do estado, e a vida de pessoas que há séculos habitam esse lugar e lutam para continuar existindo. Há vários anos, os povos tradicionais do Norte de Minas resistem para barrar megaprojetos de exploração de minério, como o projeto Bloco 8, da mineradora Sul Americana de Metais (SAM).
Apesar de o projeto de AAE conter, entre seus documentos, um “Informe de Participação e Engajamento Social”, destinado à “partes interessadas”, a principal reivindicação das comunidades é pela garantia do direito fundamental à consulta livre, prévia e informada, como preconiza a Convenção 169 da OIT. Segundo os geraizeiros do Norte de Minas, esse direito tem sido violado ao não ser realizado de maneira honesta e apropriada e ao não respeitar a legislação do estado, que tem por objetivo a defesa e o respeito aos direitos dos povos tradicionais geraizeiros e demais.
Em ofício encaminhado a órgãos estaduais e federais em outubro de 2022, as comunidades geraizeiras, vacarianos e comunidades indígenas e quilombolas expuseram sua preocupação e exigiram, além do direito à consulta livre, prévia e informada, a suspensão imediata das oficinas, o acesso a documentos referentes às entrevistas realizadas, o esclarecimento sobre a fonte dos recursos para a realização da AAE.