Identificado abrigo com figurações rupestres no município Moeda, Serra da Moeda, Minas Gerais. Por Alenice Baeta[1], Danilo Campos[2], Cleverson Vidigal[3] e Rafael Porto[4]
Um abrigo com figurações rupestres pré-coloniais foi identificado na Serra da Moeda, em Azevedo, município Moeda, MG. Trata-se do primeiro sítio arqueológico com figurações rupestres inventariado nesse município – modalidade de patrimônio cultural protegida por Lei Federal e por inúmeras normativas internacionais. O sítio foi denominado “Jardim de Pedras”, estando inserido também no Monumento Natural Estadual Serra da Moeda – MONA Serra da Moeda, unidade de conservação fulcral criada por meio do Decreto 45.472/2010 com o objetivo de integrar o Sistema de Áreas Protegidas do Vetor Sul da Região Metropolitana de Belo Horizonte – SAP Vetor Sul, nos municípios de Moeda e Itabirito, com área de 2.372,5572 hectares e perímetro de 61.663,43m. Em seu art. 4º declara ser essenciais aos objetivos dessa unidade de conservação os seguintes aspectos: I – o patrimônio espeleológico; II – a conectividade biológica e hidrológica; III – as nascentes e ressurgências; e IV – a conformação de um corredor ecológico entre o Monumento Natural da Serra da Moeda e Estação Ecológica de Aredes.[5]
Este sítio arqueológico pré-colonial inédito no contexto do MONA Serra da Moeda certamente agrega valor ao variado patrimônio arqueológico de interesse histórico-arquitetônico já conhecido e inventariado na mesma. Ainda na paisagem da Serra, em Azevedo, há trecho muito bem conservado de caminho calçado, possivelmente construído no período colonial, adicionando ao segmento Moeda-Azevedo valor arqueológico e arquitetônico vernacular excepcional. Em toda a Serra da Moeda podem ser identificados vários trechos de caminhos calçados, trilhas de cavaleiros e canais de água com escoramentos alinhados de rochas. No trecho aqui focalizado, trata-se de segmento muito bem conservado, se assemelhando bastante com outro, mais conhecido por turistas e visitantes, situado por sua vez, no segmento Moeda Velha, apresentando também canais de drenagem, bases de alvenaria de pedra, sarjetas e muretas laterais, merecendo assim especial proteção em função de seus componentes estruturais remanescentes. A passagem de motocicletas neste sítio histórico deveria ser proibida, pois vem causando erosões, deslocando os blocos encaixados e perfilados.
A luta das comunidades locais e entidades ambientalistas pela preservação do Monumento Natural Serra da Moeda é histórica, ameaçada em toda a sua extensão pela expansão da mineração, especulação imobiliária, indústria de bebidas, projeto de Rodoanel do Governo de Minas Gerais e outros empreendimentos e atividades degradantes, que podem comprometer de forma severa e irreversível as nascentes e o patrimônio paisagístico e cultural da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).
No que tange ao patrimônio arqueológico, a Constituição Federal, promulgada em 1988, determina nos artigos 20 e 216 que os bens de natureza material e imaterial, incluindo os sítios arqueológicos, são de forma indubitável bens da União Federal. Em seu artigo 216, “Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores de referência à identidade, à ação, à memoria dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais incluem: (…) V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.”
Como mencionado, os sítios arqueológicos pré-coloniais e/ou históricos são protegidos pela Lei Federal n. 3.924, de 1961, que já possui mais de cinquenta anos de vigência, e que vem sendo desde então o principal instrumento de salvaguarda e de proteção específica deste tipo de bem cultural no país.
“Art. 1- Os monumentos arqueológicos ou pré-históricos de qualquer natureza existentes no território nacional e todos os elementos que neles se encontram ficam sob a guarda e proteção do Poder Público, de acordo com o que estabelece o art. 175 da Constituição Federal.”
No artigo 5, considera crime a destruição e a mutilação deste tipo de patrimônio, que incorrem em infrações sujeitas a penalidades conforme o Código Penal: “Qualquer ato que importe na destruição ou mutilação dos monumentos a que se refere o art. 2será considerado crime contra o Patrimônio Nacional e, como tal punível de acordo com o disposto nas leis penais.”
Novos instrumentos jurídicos foram posteriormente elaborados de maneira a operacionalizar e assegurar a preservação do Patrimônio Arqueológico e Cultural. Nessa esteira protecionista a Lei n. 9.605, de 1998, também conhecida como “Lei de Crimes Ambientais”, estabeleceu em sua Sessão IV intitulada: “Dos Crimes Contra o Ordenamento Urbano e o Patrimônio Cultural” penalidades no que se refere à danificação de bens culturais e arqueológicos, merecendo aqui ser destacado o artigos 63.
“Art. 63- Alterar o aspecto ou estrutura de edificação ou local especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial, em razão de valor paisagístico, ecológico, turístico, ecológico, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida: Pena-reclusão de um a três anos e multa.”
Nas Cartas Internacionais Patrimoniais elaboradas em Conferências promovidas por organismos, tais como, o Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), encontramos as bases conceituais e epistemológicas do aparato legal brasileiro, pois tais documentos foram os aportes na construção das leis, instruções, deliberações e condutas em geral dos países signatários no que se refere à politica e à pesquisa patrimonial e arqueológica.
Amparado juridicamente por ser “bem da União” e fisicamente por estar nos limites de uma unidade de conservação estadual – o Monumento Natural Estadual Serra da Moeda – como exposto, o Sítio Arqueológico Jardim de Pedras situa-se na parte alta, nos campos rupestres, da Serra da Moeda em trecho identificado como Azevedo.
Os testemunhos picturais do Sítio Arqueológico Jardim de Pedras, por suas características temáticas e estilísticas, podem ser atribuídos à Tradição Planalto, que possivelmente é a mais antiga expressão gráfica e de longa duração, com suas devidas fases estilísticas e microrregionais, na porção central de Minas Gerais. Essa tradição é identificada desde o norte do Paraná até o estado de Tocantins, sendo que a região de maior ocorrência corresponde aos Cerrados, campos rupestres, regiões serranas e de Mata Atlântica do Centro de Minas Gerais, onde suas figuras, a princípio, seriam as mais antigas e permanentes. Caracteriza-se pela predominância visual (e, muitas vezes, quantitativa) de figuras de animais, quadrúpedes (sobretudo cervídeos) e peixes, além de formas abstratas envolvendo geometrismos circulares, traços e pontos. Os cervídeos e quadrúpedes são as representações mais comuns, mas, segundo as localidades e as épocas, há também representações de peixes isolados e/ou de cardumes, prevalecendo tons da cor vermelha (BAETA, 2011). Este é o cenário gráfico geral do Sítio Arqueológico Jardim de Pedras.
Predominam no Sítio Arqueológico Jardim das Pedras formas de cervídeos, peixes, além de figuras circulares e traços vermelhos. O suporte das figurações apresenta muitas descamações, zonas de escorrimentos de minerais, sendo que parte do dia o sol atinge o paredão. A maioria das figurações apresenta-se em estado vestigial ou esmaecida. A documentação completa das evidências vai exigir muito acuro, por isto, ainda é cedo para propor um quadro diacrônico estilístico definitivo dos grafismos do abrigo. Foi realizado o seu cadastro no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) visando a sua proteção e documentação inicial. Este sítio possibilitará análises comparativas com os outros da Serra da Moeda e adjacências, favorecendo um quadro estilístico regional mais detalhado das figurações pré-coloniais do Sinclinal Moeda.
A identificação deste sítio arqueológico no município Moeda é uma importante prova e reforça que ainda desconhecemos grande parte das relíquias patrimoniais e a biodiversidade contidas nos territórios da Serra da Moeda e do Vale do Paraopeba. Recentemente, foi identificado um abrigo com figurações rupestres na porção a norte da Serra da Moeda, em Piedade do Paraopeba, Brumadinho, município vizinho, chamando muita atenção dos moradores, ambientalistas e pesquisadores que atuam na região.
Há muito ainda o que revelar e pesquisar, tanto nos campos ferruginosos, onde vem sendo identificadas e mapeadas paulatinamente cavernas com testemunhos pré-coloniais e históricos, como nas escarpas quartzíticas (BAETA & PILÓ, 2015). Mesmo com todos os esforços na ocasião da realização do plano de manejo do Monumento Natural Serra da Moeda por parte da equipe do Instituto Estadual de Florestas (IEF), responsável pela gestão desta unidade de conservação (UC) e empenho por parte da equipe de arqueologia em identificar sítios arqueológicos, certamente a localização de novos sítios é sempre almejada, pois a Serra da Moeda, guarda muitas localidades de difícil travessias e acessos, abrigos e cavernas que exigem em alguns casos auxílio de técnicas verticais, exigindo dos pesquisadores rastreamento e monitoramento contínuo, o que pode demorar anos de estudos e mapeamentos. Por isto, a necessidade de sempre agir com muita precaução e cautela priorizando a efetiva e necessária proteção deste vulnerável e complexo patrimônio hídrico, natural, histórico, arqueológico e cultural.
Manter um mosaico de áreas protegidas na Serra do Rola Moça em toda a sua extensão e corredores ecológicos faz-se indispensável. Os municípios, por sua vez, deveriam criar urgentemente as suas unidades de conservação e de proteção ambiental também em nível municipal, bem como, realizar o inventário e o tombamento do seu acervo paisagístico, natural, arqueológico e sociocultural, incluindo as demandas das comunidades tradicionais[6] em seus territórios. Prioritários deveriam ser os esforços e parcerias nos âmbitos municipal, estadual e federal no intuito de manter uma política de governança comprometida com a preservação integral e a conectividade ecológico-cultural da Serra do Curral, Olhos d’Água, Rola Moça, Taboões, Jangada, Serra da Calçada, Piedade do Paraopeba, Mãe d’Água, Moeda Velha, Monumento Natural Serra da Moeda, Marinho da Serra, Serra dos Mascates, Aredes, São Gonçalo do Bação e tantos outros lugares lindíssimos que a compõem.
Referências
BAETA, A. ‘De Lapa a Lapa. Os Grafismos Rupestres e suas Unidades Estilísticas no Carste de Lagoa Santa e Serra do Cipó-MG’. (Tese de Doutorado) Museu de Arqueologia e Etnologia-MAE/ USP. São Paulo, 2011.
BAETA, A. & PILÓ, H. ‘Patrimônio Arqueológico nos Campos e Suportes Ferruginosos’. In: RUCHKYS, U. de A. et al. (Orgs.) Patrimônio Espeleológico em Rochas Ferruginosos. Campinas, SP: Sociedade Brasileira de Espeleologia-SBE, 2015. pp. 210-239.
BAETA, A.; CAMPO, D. & MOREIRA, G. L. . ‘Identificado um Magnífico Sítio Arqueológico Pré-Colonial em Brumadinho, Minas Gerais.’ In: ECODebate, Agosto de 2021.
[1] Doutora em Arqueologia pelo MAE/USP; Pós-Doutorado Antropologia e Arqueologia-FAFICH/UFMG; Historiadora e Membro do CEDEFES, do Movimento Serra Sempre Viva e do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios-ICOMOS/Brasil.
[2] Liderança da comunidade indígena Borum Kren. Ouro Preto, MG.
[3] Membro da ONG ‘Abrace a Serra’.
[4] Membro da ‘Boi Preto, Caminhos e Histórias’.
[5] Decreto 45. 472/2010, que cria o MONA Serra da Moeda, Itabirito e Moeda, MG. https://www.almg.gov.br/consulte/legislacao/completa/completa.html?tipo=DEC&num=45472&comp=&ano=2010
[6] Seguindo um protocolo de consulta livre, prévia e informada, onde as comunidades tradicionais (quilombolas, agricultores familiares, pescadores, etc.) decidam como querem desenvolver os seus projetos de conservação e revitalização ambiental, economia solidária e articulação com as áreas vizinhas.