“Malditas sejam todas as cercas!”- Nota da CPT-MG em repúdio à violência e injustiça agrária que o governador Zema está praticando em Minas Gerais
“Ai daqueles que fazem decretos iníquos e daqueles que escrevem apressadamente sentenças de opressão, para negar a justiça ao fraco e fraudar o direito dos pobres do meu povo, para fazer das viúvas a sua presa e despojar os órfãos” (Profeta Isaías 10,1-2).
A Comissão Pastoral da Terra, Regional Minas Gerais (CPT/MG), reunida em Conselho nos dias 17, 18 e 19 de março de 2023, em Sabará-MG, vem por meio desta manifestar seu repúdio veemente à política violenta do Governador de Minas Gerais, Romeu Zema, contra os pobres do campo, os Povos e as Comunidades Tradicionais, os sem terras e os camponeses e as camponesas. As mensagens divulgadas oficialmente pelo Governador de Minas Gerais e a Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) revelam apenas parte da política de violência desse governo, que estimula ações injustas e ilegais, de mãos dadas com a ideologia ditadura e o autoritarismo. De forma inconstitucional, Zema ataca um instrumento de luta popular que é a ocupação de terras devolutas e improdutivas, “propriedades” que não cumprem sua função social, que, segundo a Constituição de 1988, devem ser destinadas para Reforma Agrária. E ele vai além, quando estimula a violência contra pessoas que “acampam” ou “aglomeram” nas beiras das estradas, assim atiça os grupos armados para cometer crimes e injustiças, como vimos ocorrer nos últimos quatro anos sob o manto do fascismo.
O Estado de Minas Gerais tem sido nos últimos anos o campeão em trabalho análogo à escravidão, e esta brutal violência conta com a omissão e a cumplicidade do Governador, que defende os setores que destroem a natureza e precarizam de forma extrema a mão de obra. Zema protege os grandes proprietários que escravizam pessoas e as mineradoras que cometem crimes inimagináveis, como as criminosas reincidentes mineradoras Samarco e a Vale S/A. Zema governa beneficiando as grandes mineradoras que, como dragões do Apocalipse, continuam fazendo mineração predatória, mesmo após dois grandes crimes/tragédias cometidos pelas mineradoras Samarco, Vale e a anglo-australiana BHP Billiton (Mariana – 2015) e pela Vale (Brumadinho – 2019). A violência do Estado, através da Policia Militar (aparelho repressor) tem crescido, o que é inadmissível.
Em 2014 foi criada a Comissão Estadual para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (CEPCT). Nos últimos anos, a CEPCT tem reconhecido novas identidades de Povos e Comunidades Tradicionais, porém o governador não tem realizado a emissão dos Certificados (selos) para entrega do Certificado de Autodeclaração às Comunidades Tradicionais e, assim, tem violado direitos inscritos na Constituição Federal e emTratados Internacionais como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) da Organização das Nações Unidas (ONU).
O discurso do Governador Romeu Zema: “Nós fazemos questão de dar paz para o homem do campo, através de uma segurança reforçada e também inibindo qualquer tipo de invasão. Cerca existe para ser respeitada. Aqui em Minas não vamos tolerar invasão. O homem do campo precisa de segurança e paz para trabalhar …” apenas reforça a sua política da morte, dos privilégios e das benesses aos grileiros de terras, que sustentam o sistema coronelista dos grandes latifundiários do agronegócio e das empresas mineradoras, siderúrgicas e monocultoras de eucalipto. Sua antipolítica reforça a concentração de terras, de poder e de destruição ambiental, e ameaça os povos e as comunidades que produzem alimentos e lutam por um lugar para viver.
Zema esquece de dizer que em pleno 2023, o Programa de Proteção aos Defensores e Defensoras de Direitos Humanos de Minas Gerais (PPDDH-MG) tem quase 100 lideranças ameaçadas de morte; 13 indígenas e 23 quilombolas que são acompanhados pelo PPDDH, e que o Governo de Minas em 2022, por meio da polícia militar, foi um dos Estados que mais realizou ações de violência contra as populações do campo, ficando atrás somente dos latifundiários que, no Norte de Minas, possuem milícias armadas.
O Governador Zema garante a segurança e paz para os grandes fazendeiros, porém, não oferece essa mesma garantia para homens e mulheres que trabalham no campo, pois nos últimos 10 anos, ou seja, desde 2013, Minas Gerais tem sido o estado com maior índice de trabalhadoras e trabalhadores resgatados em situação de trabalho escravo pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM). Em 2022 foram 1.070 pessoas libertas do trabalho escravo em Minas Gerais. O Governador deveria solicitar ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA-MG) a desapropriação destas fazendas para fim de reforma agrária e à Polícia Civil a prisão dos envolvidos no crime de trabalho escravo, conforme prevê o Artigo 243 da Constituição Federal.
Paz no campo é nosso sonho, mas só teremos quando houver justiça agrária e socioambiental, o que exige a superação do latifúndio e do coronelismo em Minas Gerais, estado que tem 22,2% do seu território como terras devolutas todas griladas por empresas eucaliptadoras. Ocupar propriedades que não cumprem função social não é invasão, é OCUPAÇÃO, instrumento de luta por direito à terra já reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) como legítima e necessária para forçar o Estado a cumprir suas obrigações constitucionais. Cerca injusta não deve ser respeitada, conforme denuncia o profeta dom Pedro Casaldáliga: “Malditas sejam todas as cercas! Malditas todas as propriedades privadas que nos privam de viver e de amar! Malditas sejam todas as leis, amanhadas por umas poucas mãos para ampararem cercas e bois e fazer a Terra escrava e escravos os humanos!”
Assina esta Nota Pública:
Comissão Pastoral da Terra (CPT-MG)
Belo Horizonte, MG, 21 de março de 2023.