Maria tem Pressa: Magnífica e Apressada – um poema rápido de natal

Maria tem Pressa: Magnífica e Apressada – um poema rápido de natal Por Nancy Cardoso Pereira[1]

Arte: Yolanda Lopez.

Maria tem pressa: aceitou ser mãe num tempo de império e cruzes. Jovem, grávida e solteira ela aperta o pano em volta dos ombros e pensa: “Deus está comigo, não vou ter medo”.

Maria tem pressa: a insegurança de José – um seguro pai possível – pede agilidade e ela vai ao encontro da prima Isabel. Apressadamente. Ela precisa de parceria, cumplicidade e alegria, o que só outra mulher, nesses casos, sabe ser. “Bem-aventuradas”.

Maria tem pressa: tece canções de ninar o filho com palavras que rimam com derrubar, dispersar e destronar; ela cantarola o sonho apressado dos humildes, dos pobres e famintos. Deus nunca mais foi o mesmo.

Maria tem pressa: completa os dias de gestação no tempo em que os poderosos instauram leis de morte, controle e exploração. Empurrados pelo censo ela viaja com José até Belém para cumprir as fantasias teológicas e literárias de messias esperados, mas ela sabe que o filho dela é Galileu. É pobre, preto e periférico: menino Jesus, o salvador.

Maria tem pressa: encontrar um lugar de parir menino: uma grota, um buraco, uma marquise, um banheiro, um curral, uma gruta… qualquer lugar onde Deus faz questão de nascer pobre. Ela sente as contrações que se avizinham; ela abre as pernas pra parir o novo… e viu que tudo era bom. Houve choro e placenta na primeira noite.

Maria tem pressa: precisa fugir, migrar, escapar da fúria dos exércitos de ocupação. Ela segura o menino como quem conhece a esperança e se lança nas estradas impossíveis de desertos e checkpoints. Ela amamenta o menino com apressadas tetas natalinas. Ela serve a ceia do natal nela mesma: o filho é a fome e a vontade comer, ela é o peito, o prato e a profecia de sobreviver.

O verbo se fez peito e migrou até nós.

Maria tem pressa: criar menino no tempo de império e cruz é sentir a dor de toda mãe de criança pobre; ela sabe que a cruz estará sempre lá, esperando pelo filho numa esquina qualquer, de uma UPP qualquer; ela não tem medo! Vai apressar o menino, acreditar no milagre – “começa a festa!” – até transformar toda dor em ressurreição: “nossos mortos têm voz”, ela diz com sangue nos olhos. Mil outros filhos e filhas nascerão ali.

Mães de Maio Maria, rogai por nós nesse Advento agora e na hora da longa noite apressada. Amém.


[1] Nancy Cardoso Pereira é pastora metodista, graduada em Teologia e Filosofia, mestra e doutora em Ciências da Religião, com pós-doutorado em História Antiga. É membro do conselho editorial da Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana (RIBLA) e agente da Comissão Pastoral da Terra. É mãe de Clarissa e Daniel.