Mineradora Anglo se nega ao diálogo e processa atingidos que sofrem prejuízos por suas operações: Injustamente, Justiça acata a posição da empresa e impõe novo sofrimento aos atingidos

Mineradora Anglo se nega ao diálogo e processa atingidos que sofrem prejuízos por suas operações: Injustamente, Justiça acata a posição da empresa e impõe novo sofrimento aos atingidos

A mineradora Anglo American, empresa que se orgulha de ser liderança global na área da “mineração sustentável”, viola os seus auto-proclamados princípios. Enquanto a empresa declara no seu marketing digital que procura “desenvolver a confiança como líder empresarial, proporcionando cadeias com valores éticos e maior responsabilidade para com as comunidades com as quais trabalhamos…”[1], ela processa, na Justiça, moradores cansados de procurar o diálogo para solucionar prejuízos causados por suas operações.

Isto aconteceu em 25 de agosto de 2020, depois que moradores, exaustos e desesperados, paralisaram a estrada MG-10, em Conceição do Mato Dentro, para que suas denúncias sobre os graves problemas ambientais e sociais sofridos há 12 anos sejam finalmente ouvidas e solucionadas.

Após negociações com a polícia, os atingidos pelas atividades da Anglo American suspenderam a paralisação da estrada, recebendo a promessa de uma reunião com representantes da empresa na Câmara Municipal da cidade. Contudo, a empresa optou por desdenhar da boa fé dos moradores, não comparecer à reunião e em claro recado de sua disposição, denunciá-los na Justiça, que não mostrou morosidade em atender à mineradora. O sofrimento dos atingidos foi ampliado com a fixação de multa que pode chegar a R$ 100.000 (cem mil reais) no caso de descumprimento da ordem de retirada dos manifestantes (que já haviam se retirado). Mais do que isso a Justiça Mineira determinou a possibilidade de uso de funcionários (ou seja, seguranças) da empresa Anglo American em auxílio ao oficial da Justiça que viesse “para garantir o cumprimento da diligência”. As entidades e cidadãos que subscrevem este documento apresentam a sua indignação pela abordagem inescrupulosa da empresa e pela decisão judicial.

É preciso lembrar a motivação dos atingidos pela mineração em Conceição do Mato Dentro e Alvorada de Minas (MG) – ou seja, que se cumpra medida condicionante para a aprovação da Licença Operacional da ampliação da mina do Sapo (Step 3), qual seja, a da implementação de Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) em subsídio às comunidades atingidas pela Anglo American nestes 12 anos de processo de licenciamento e na nova etapa de radical expansão de sua intervenção territorial.

Solicitamos que a Justiça e os órgãos ambientais se dignem a garantir os direitos dos menos favorecidos com soluções imediatas para seus problemas, e que na hipótese do descumprimento da efetivação das ATIs seja cancelada ou suspensa a Licença de Operação do Step 3 do projeto Minas-Rio (Anglo American S.A.), uma vez configurada a atuação da empresa pelo desacatamento de condicionante vinculada à Licença.

Segue o manifesto com o contexto mais preciso de mais um capítulo dessa história, de mais de uma década de violência física, material, psicológica e de desrespeito a direitos fundamentais – coletivos, humanos e a um meio ambiente equilibrado.

MANIFESTO EM DEFESA DAS COMUNIDADES ATINGIDAS PELO PROJETO MINAS-RIO E EM REPÚDIO À AÇÃO JUDICIAL MOVIDA PELA ANGLO AMERICAN S/A (27 de agosto de 2020)

No dia 25 de agosto de 2020, atingidos pelo Projeto Minas-Rio, em Conceição do Mato Dentro e Alvorada de Minas (MG), paralisaram a rodovia MG-10 para denunciar os problemas vividos em decorrência da atividade minerária da Anglo American S/A e para reivindicar seu direito à reparação e às Assessorias Técnicas Independentes (ATIs).

Em notas publicadas pelas comunidades [ABAIXO], os atingidos voltam a reiterar a permanência e agravamento de problemas há anos causados pela mineradora: poluição dos cursos d’água, mortandade de peixes, escassez hídrica, poeira, barulho, vibrações, alta luminosidade em atividades noturnas, tráfego intenso de veículos pesados, circulação de trabalhadores terceirizados, obstrução de vias de acesso, assédio por agentes da empresa ou subcontratados, perda de liberdade, aumento da insegurança e prejuízos à tranquilidade e aos modos e condições de vida rurais.

Em 2018, durante a aprovação concomitante da LP+LI nº 001/2018 da Terceira Etapa (Step 3) do Projeto Minas-Rio (com a radical ampliação da Mina do Sapo, em Conceição do Mato Dentro), ficou estabelecida a Condicionante nº 39, que determina:

COND. 39: “Custear a contratação e disponibilizar Assessoria Técnica Independente e multidisciplinar, a ser escolhida por cada comunidade, a fim de subsidiar a participação ampla e informada de todas as comunidades em todos os planos, programas e ações de responsabilidade do empreendedor junto às comunidades que sofreram ou sofrem algum dano ou que tenham seu modo de viver afetado pelo empreendimento, devendo contemplar, no mínimo, as comunidades de Água Quente, Beco, Turco, Cabeceira do Turco, Córregos, Gondó, Itapanhoacanga, Passa Sete, São Sebastião do Bom Sucesso (Sapo), São José do Jassém, São José do Arruda, São José da Ilha e Taporoco.”  (LP+LI 001/2018 do processo COPAM nº 00472/2007/008/2015)

A nota publicada pelos atingidos denuncia que, apesar de quase dois anos corridos, o processo de contratação da Cáritas Brasileira (uma das entidades selecionadas pelas comunidades para cumprir o papel de ATI), ainda não foi efetivado. Destaca-se, também, que ainda não houve sinalização da SEMAD e alocação de recursos pela Anglo American para a contratação da entidade – informação reforçada pela Fundação Israel Pinheiro, responsável pelo gerenciamento dos trabalhos das ATIs, no Comunicado 003/2020.[https://drive.google.com/file/d/1t8SdGLP8XYhtSJB3vY0K2WFrTLSx0zLZ/view].

A respeito da condicionante 39, cabe registrar a afirmação do representante da Semad Adriano Tostes de Macedo (analista ambiental e integrante da Superintendência de Projetos Prioritários/Semad), único servidor da Semad a tratar detidamente deste ponto da discussão, durante a reunião da Câmara de Atividades Minerárias do Conselho Estadual de Política Ambiental (CMI-Copam) que aprovou a Licença de Operação do Step 3:

“me refiro à condicionante 39, que eu acho que é a principal condicionante estabelecida no processo de licenciamento lá no início do ano. Porque ela garante justamente assessoria técnica independente para as comunidades no trato com a empresa para discutir eventuais danos, eventuais negociações, sejam do reassentamento. Então eu estabeleci um trabalho que foi desenvolvido durante cinco meses. Veja bem, a condicionante 39 é uma matriz de todas as demais. Boa parte das condicionantes socioeconômicas dependem da condicionante 39. (…) como existe precedente lógico nas condicionantes, e a 39 é a principal delas. Eu não posso autorizar a empresa a executar uma ação sem que antes seja garantido à comunidade ter Assessoria Técnica Independente. (…) é impossível cobrar o cumprimento de uma condicionante [que] estar submetida a outra. Encadeamento lógico. De toda forma, mesmo que houvesse sido executada e apresentados os resultados, esses nunca seriam aprovados sem passar pelo crivo das comunidades e da assessoria técnica independente.” [linhas 1645 a 1690 da Ata da 54ª reunião da Câmara de Atividades Minerárias/Copam, realizada em 20 de dezembro de 2019].”

Após a manifestação na manhã do dia 25 de agosto na MG-10, os atingidos seguiram para a Câmara Municipal de Conceição do Mato Dentro, onde esperaram por respostas da Anglo American, que não enviou qualquer representante.

Pelo contrário, a mineradora entrou com ação judicial no TJMG contra os manifestantes, no valor de R$10.000 (dez mil reais), argumentando que seu “direito de ir e vir” foi prejudicado. Na ação, a Anglo American expõe nomes dos manifestantes e defende, com o cinismo habitual, que as atividades de mineração seguem seu curso dentro dos parâmetros legais e normativos, sendo ainda amplamente fiscalizada pelos órgãos responsáveis. Esta afirmação, como é público e notório, contradiz com todas as denúncias realizadas nos últimos 12 anos, acerca de diversos tipos de irregularidades, crimes ambientais e violações de direitos de moradores e trabalhadores perpetrados pela empresa, alguns de seus agentes, dirigentes e terceirizadas.

A Ação repete o discurso da geração de riquezas e do suposto interesse nacional que perpassa a atuação da mineradora Anglo American, argumento frequentemente utilizado para encobrir ou colocar panos quentes sobre os crimes ambientais e as violações de direitos humanos praticados pela empresa.

Além disso, vale apontar que os “riscos provocados pela manifestação” (uma das justificativas utilizadas pela mineradora para dar cabo à sua ação) não são sequer comparáveis aos danos causados por suas atividades. O argumento acerca da formação de aglomeração em plena pandemia de COVID-19 é utilizado de má fé, visto que os comunitários seguiram todas as medidas de precaução determinadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS). É também de amplo conhecimento da sociedade local, assim como ocorre em outros municípios com fortes atividades extrativistas, que a Anglo American é um dos principais focos da multiplicação da Covid 19 na região[2] . A justificativa para a criminalização dos que defendem seus direitos, usando o fechamento de uma via de acesso à empresa, como último recurso diante da injustiça institucional estabelecida em Minas Gerais e o exacerbado poder da mineradora em desfazer obrigações, aplicar-se-ia outrossim às atividades da própria Anglo American que, afinal, continua a aglomerar e transportar seus trabalhadores, criando ambientes de disseminação da pandemia no território.

Por fim, a Ação Judicial movida pela empresa argumenta que “a Autora [Anglo American] não pode ficar refém dos Réus” (p. 15).

Indagamos então: podem as comunidades permanecer reféns da mineração? E a destruição de seus modos de vida tradicionais? E seu “direito de ir e vir” e “livre exercício de suas atividades”? Por que seus direitos ainda não foram corretamente reconhecidos e efetivados? E a contratação das Assessorias Técnicas Independentes? E as outras medidas de reparação estabelecidas durante o licenciamento e que ainda não foram cumpridas integralmente?  E as medidas compensatórias de etapas anteriores do licenciamento deste empreendimento, que vêm sendo postergadas ou negligenciadas pelo governo estadual sob a alegação de que estariam “em cumprimento”?

As entidades que abaixo assinam esta nota manifestam seu apoio integral às comunidades atingidas pelo Projeto Minas-Rio e ao direito à manifestação de pessoas, famílias e comunidades que têm sido sistematicamente DESRESPEITADAS pela mineradora ANGLO AMERICAN e pelo PODER EXECUTIVO ESTADUAL, além de outras autoridades públicas, e repudiam com vigor a ação movida pela mineradora.

Os fatos comprometedores da isenção e da responsabilidade da Anglo American e diferentes agentes amorais do poder público constituem hoje um arcabouço de conhecimento e denúncia publicado em dezenas de trabalhos acadêmicos, centenas de reportagens, vídeos, relatos fotográficos que consubstanciam o histórico criminal da empresa e dos que negligenciam suas funções públicas em defesa de seus abusos.

Não nos esqueçamos e lembremos ao Juízo que porventura consinta com a ação movida pela Anglo American, que esperamos que sua decisão não atinja somente os atingidos pelo empreendimento, visto que as condições para a aprovação da Licença de Operação do chamado Step 3 estão claramente sendo descumpridas pela mineradora, de tal forma comprometendo irreparavelmente as condições de concessão da licença concedida no apagar das luzes de 2019.

Apoie esta causa.

Assine nosso manifesto enviando seu nome ou de sua organização para o e-mail:  reajacmd@gmail.com

Assine a petição publicada na Avaaz

[1] Ver Documento Anglo American, Our Sustainability Strategy, p. 4. Disponível em https://brasil.angloamerican.com/~/media/Files/A/Anglo-American-Group/Brazil/sustentabilidade/abordagem-eepoliticas/our-blueprint-for-the-future-of-sustainable-mining.pdf

[2] Noticias em: https://defatoonline.com.br/funcionario-da-anglo-american-e-o-primeiro-caso-de-covid-19-em-conceicao/ e  https://www.cedefes.org.br/coronavirus-avanca-em-municipios-com-intensa-atividade-mineraria-veja-balanco-de-mg/