Mineradora Vale S/A mata mais um trabalhador, em Brumadinho, MG. Até quando a Vale continuará impune e matando?

Mineradora Vale S/A mata mais um trabalhador, em Brumadinho, MG. Até quando a Vale continuará impune e matando?

O jovem trabalhador Júlio César de Oliveira Cordeiro, de 34 anos, empregado da empresa Vale Verde, terceirizada da Vale S/A. Júlio César deixou sua esposa viúva e órfão uma criança de 3 meses. Fotos: Divulgação / Trabalhadores

Na iminência do Natal, Deus no humano, um dos Herodes de hoje, a Vale S/A, continua matando. Ontem, dia 18 de dezembro de 2020, às 16h18, a exploração predatória da Mineradora Vale S/A matou mais um trabalhador na Mina de Córrego do Feijão, em Brumadinho, onde foram mortos, enterrados vivos, 272 trabalhadores e trabalhadoras, dia 25 de janeiro de 2019, com 11 corpos ainda desaparecidos. Após quase dois anos do crime-tragédia cometido pela Vale S/A com anuência do Estado, um dos maiores desastres ambientais do mundo e o maior acidente de trabalho do mundo em perdas de vidas humanas, com a cumplicidade do Estado, a Vale S/A continua matando, todos os dias, de várias formas, gente, peixes, animais e sacrificando todos os ecossistemas e expulsando comunidades de seus territórios. Enquanto dirigia uma retroescavadeira, um grande talude de uma cratera na Mina de Córrego do Feijão desabou, soterrando a retroescavadeira e o jovem trabalhador Júlio César de Oliveira Cordeiro, de 34 anos, empregado da empresa Vale Verde, terceirizada da Vale S/A. Júlio César deixou sua esposa viúva e órfão uma criança de 4 meses. Nossa solidariedade à esposa e a toda a família de Júlio César, mais um trabalhador martirizado pela Vale com a cumplicidade do Estado.

Cratera da Mina de Córrego do Feijão, em Brumadinho, MG.

Denunciamos que a Vale, com a cumplicidade do Estado, continua matando de mil formas. Por exemplo, vem negando da forma mais vil o fornecimento de água potável a milhares de famílias que só acham lama em suas torneiras; negligencia quanto ao direito dos atingidos e das atingidas que se encontram fora do limite de 1 km do rio Paraopeba, mas que sofrem os mesmos prejuízos e danos dos demais; suspende indevidamente o auxílio emergencial de quem já possui este direito assegurado, sem justificativas plausíveis. O consumo de água potável para beber e cuidar das plantações e animais é um direito garantido pelos Direitos Humanos em nível internacional, mas o que se apresenta na bacia do Paraopeba é um cenário de pânico e de terror em várias comunidades, que sentem a cada dia as crescentes consequências na saúde da população decorrente do consumo de água com poluentes tóxicos e, provavelmente, com metais pesados. O adoecimento das pessoas e a insegurança de saber se vão ou não receber o auxílio emergencial no próximo mês causa uma grande tensão, além de conviverem diariamente com um rio e um ar contaminado. Doenças respiratórias, gastrointestinais, renais, vários tipos de câncer, depressão e outras enfermidades de ordem psicológica vêm se alastrando, comprometendo assim a saúde física e mental da população como um todo. Isso mata aos poucos. A Vale S/A, privatizada, mata também se beneficiando da terceirização, pois os trabalhadores que são submetidos aos trabalhos mais arriscados são os terceirizados.

Talude que desmoronou.

O local é uma área de alto risco, não poderia ter ninguém lá. O talude não cai de uma vez. Sempre há indícios, rachaduras. Não se pode arriscar vidas humanas dessa forma e é preciso investigar se não há risco de novos rompimentos. O medo e o desespero das comunidades próximas àquele local é muito grande. Não foi um acidente conforme informado pela Vale S/A e pela imprensa, foi mais um crime premeditado e planejado, pois é notória a exaustão da Região Metropolitana de Belo Horizonte, com mais de 300 anos de mineração. Com tantas crateras e túneis de muitos quilômetros, inclusive debaixo da cidade de Belo Horizonte, com dezenas de grandes barragens sinalizando que podem romper a qualquer momento e com vários pequenos abalos sísmicos e tremores de terra é óbvio que os trabalhadores e as trabalhadoras são submetidos a trabalharem em situações de altíssimo risco de morte.

Operação dos Bombeiros após o soterramento do trabalhador Júlio César.

Esse crime e tantos outros crimes-tragédias, como o rompimento da barragem de “Fundão” em Mariana, MG, (19 mortos), Barragem de Córrego do Feijão em Brumadinho (272 Mortos), rompimento da barragem da Mineradora Herculano em 2014, em Itabirito-MG (03 mortos) e a morte do motorista Bruno Henrique do Amaral Silva em agosto de 2019 e a morte de dois caminhoneiros em meados de 2019 enquanto transportavam minério para a mineradora Mineral do Brasil, vizinha à Mina do Córrego do Feijão, revelam como o modelo de exploração mineral no Brasil é predatório e devastador, também em relação a vida humana. A geração bilionária de lucro para as empresas do setor, a maior parte sob controle de investidores estrangeiros, deixa apenas um rastro de desastres, destruição, miséria e contaminação para as populações locais. Até quando a Vale, a Samarco e outras mineradoras continuarão impunes e matando?

Uma situação trágica é o que temos em Minas Gerais

A questão é mais ampla do que a revisão de uma política de barragens. O modelo predatório de mineração a que temos sido submetidos considera a devastação de territórios e a destruição da vida como um preço a ser pago pela enorme margem de lucros do negócio. São especuladores também de minas de água e de aquíferos. Cumpre recordar que com a Lei Kandir, de 1998, isentando do pagamento de Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMs) as commodities para exportação, a Vale S/A e as outras mineradoras nem ICMs pagam. Com isso, o Estado de Minas Gerais teve uma perda de 140 bilhões de reais nos últimos 22 anos. E agora a Vale e o Governo de Minas Gerais, com a participação das Instituições de Justiça (Ministério Público de MG, Defensoria de Pública de MG e Tribunal de Justiça de MG (TJMG)), SEM A PARTICIPAÇÃO dos/as atingidas, estão construindo um Acordão que será muito bom para a Vale e péssimo para os/as atingidos/as.

Em Sarzedo, MG, município muito próximo à Mina do Córrego do Feijão, há quase dois anos, milhares de pessoas, longe dos holofotes da grande mídia corporativa, convivem com o pesadelo de eventual rompimento de barragens da mineradora Mineração Itaminas. Com mais de 5 mil pessoas cadastradas na área de inundação por lama tóxica em caso de rompimento, a continuidade da utilização dessas estruturas depende hoje do desfecho de uma Ação Civil Pública que até a presente data não levou a nenhuma obrigação de desativação das barragens, não foram realizadas perícias que possam minimamente tranquilizar a população. Ontem, após a notícia de mais um soterramento causando a morte do trabalhador Júlio César, milhares de pessoas do Bairro Brasília, em Sarzedo, que estão sob as barragens da Itaminas, não conseguiram dormir com a notícia e a chuva forte que aumentava os riscos de desabamento das barragens da Itaminas. Muitos são os fatores de risco apontados pela população e ignorados pelas autoridades, mas com o crime ocorrido na tarde de ontem em especial merece ser lembrado. Um fator de grande risco que vem sendo totalmente negligenciado até o momento pelas autoridades envolvidas é a existência de taludes das crateras da Mina da Jangada, de propriedade da Vale S.A, a pouquíssima distância da Barragem B4 da Itaminas, a barragem que oferece gravíssimo potencial para ceifar 5 mil vidas em Sarzedo, MG.

Como no caso da Barragem da Mina de Gongo Soco, em Barão de Cocais, MG, taludes são estruturas integrantes das crateras de mineração, privadas de estabilidade devido a enorme atividade que sobre elas impacta, desde a movimentação de cargas de dezenas de toneladas por “tratores” gigantes a detonações rotineiras. O senhor Ricardo Moraes e a senhora Rejane Moraes, moradores “expulsos” da sua casa em Córrego do Feijão, denunciaram em videorreportagem que as explosões com 460 quilos de dinamite na Mina da mineradora MIB, distante apenas 700 metros da Mina de Córrego do Feijão, pode ter desencadeado o rompimento da Barragem em Córrego do Feijão dia 25/01/2019. Assim como as barragens, os taludes também podem se desestabilizar, escorregando lentamente ou, em cenário mais grave, romper bruscamente, sendo que tal movimentação é capaz de ocasionar um rompimento das frágeis estruturas de contenção de rejeitos como é a Barragem B4 da mineradora Itaminas em Sarzedo. Ora, se na Mina do Gongo Soco, taludes de uma cratera distante quase 2 (dois) quilômetros da barragem interditada foram considerados fatores de risco do chamado “gatilho”, por qual motivo essas estruturas da Mina Jangada, que estão muito mais perto da B4 não foram consideradas como de risco à estabilidade e segurança da barragem? A Mina de Jangada localiza-se nos municípios de Brumadinho e Sarzedo e faz parte do complexo Paraopeba da Vale S/A. A mina vem sendo lavrada desde 1974, e em 2007 a Vale assumiu suas operações por meio do arrendamento do antigo empreendedor Minerações Brasileiras Reunidas S.A (MBR).

Além de suspender de forma preventiva o funcionamento de complexos minerários geradores de risco para populações, de rever processos de licenciamento, auditar e fiscalizar com rigor barragens e outras estruturas, é urgente avançar para um maior empoderamento das comunidades nos seus territórios. Para que se possam contrastar de maneira efetiva o projeto de morte revelado pela atuação das mineradoras, é imprescindível que às lutas das comunidades atingidas possam se somar todos que tenham compromisso com preservação do meio ambiente, a proteção das condições de vida e a promoção da dignidade, desde lideranças políticas, sociais e religiosas, passando por movimentos, organizações, entidades, chegando até as instituições públicas. Todos os crimes praticados por essas mineradoras, e que segue impunes, são provas cabais de que para o capital minerário não há limites em termos de devastação e destruição. Esse modelo precisa ser interrompido para que centenas de territórios e sua gente deixem de ser subjugados como tem ocorrido de forma especialmente intensa nas últimas décadas.

Exigimos de todas as autoridades apuração contundente, julgamento e punição de mais esse crime da Vale S/A. Exigimos também que as autoridades do Estado não deixem a Vale continuar controlando a cena do crime.

Assinam esta Nota:

Comissão Pastoral da Terra – CPT/MG

Dom Vivente Ferreira, bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte e responsável pela RENSER (Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário) – Região de Brumadinho – e integrante da Comissão Ecologia Integral e Mineração da CNBB

Belo Horizonte, MG, 19 de dezembro de 2020.

Obs.: Assista ao vídeo no link abaixo.