Nota de repúdio à péssima proposta do prefeito Medioli para o Povo da Ocupação Pingo D’água, Betim/MG
Dia 16 de Agosto de 2022, apareceu uma reportagem no Jornal O Tempo noticiando reunião do prefeito de Betim, MG, Vitório Medioli, o seu procurador Bruno Cypriano, com o promotor Dr. Márcio José e a promotora Dra. Júnia Barroso, do Ministério Público de Minas Gerais, em Betim. A verdade deve imperar, pois liberta. A mentira oprime e mata. Então, para que a verdade sobressaia, tornamos público alguns pontos imprescindíveis.
Primeiro, é estranho acontecer reunião para tratar sobre mais de 100 famílias da Ocupação Pingo D’água sem a participação da Coordenação da Comunidade e sem a participação da Comissão Pastoral da Terra (CPT), do Movimento de Luta nos Bairros e Favelas (MLB) e dos Advogados Populares que acompanham diariamente a luta justa e legítima da Ocupação-Comunidade-Bairro Pingo D’água. Em nome da dignidade humana, a Comunidade exige ser ouvida e tem o direito de participar de qualquer proposta de negociação.
Segundo, o povo da Ocupação-Comunidade-Bairro Pingo D’água já fez 12 lutas (três marchas de 6 Kms cada, três bloqueios da BR 262, quase uma semana de Acampamento da Câmara Municipal etc.) e seguirá lutando sem trégua até depois de ter sido retirada a ameaça de despejo, pois somos uma Comunidade-Bairro em franco processo de consolidação. Ocupamos por necessidade e porque o terreno estava ocioso sem cumprir sua função social. Não há que se falar em despejo, pois o direito à moradia das centenas de pessoas residentes no Bairro Pingo D’água em Betim é muito mais abrangente do que a ação judicial de reintegração de posse movida pela megaconstrutora MRV S/A. A dignidade humana e o respeito às mais de 100 famílias precisa estar acima dos interesses do grande capital. O terreno ocioso reivindicado pela MRV não existe mais, pois o que existe no local é uma Comunidade organizada em franco processo de consolidação dando função social à propriedade que antes estava jogada às traças.
O que o prefeito Medioli está propondo são migalhas e não é política habitacional séria. Propor derrubar cerca de 100 moradias construídas com muito suor, trabalho, dia e noite, ao longo de dez anos, para entregar o terreno cheio de escombros com a demolição das residências para que a megaconstrutora MRV S/A possa fazer no local um grande empreendimento econômico para lucrar muito é inadmissível e injustiça brutal. Todo despejo é desumano e brutal, pois além de demolir moradias, destrói sonhos, projetos de vida e causa traumas imensuráveis. É ofensiva a proposta do prefeito de oferecer aluguel social, que é injusto e insuficiente e muitas vezes para de pagar após alguns meses. Oferecer terreno para construir “caixotes” de 36 metros quadrados, como as casinhas do bairro Citrolândia é violentar a dignidade das famílias. O justo e necessário é a Câmara de Vereadores de Betim derrubar o veto injusto e inconstitucional do prefeito Medioli ao PL 162 e promulgar a Lei fruto do PL 162 que abre caminho para se fazer REURB-S (Regularização Fundiária Urbana de Interesse Social) da área ocupada há dez anos pelas famílias. Justo é o prefeito repassar outro terreno para a megaconstrutora MRV S/A fazer o projeto dela. Justo é desapropriar a área Ocupação Pingo D’água e fazer REURB-S na Comunidade garantindo a vida digna e paz para as famílias. Se o poder público e o mercado já reconhecem a Ocupação Pingo D’água não se pode falar em despejo, pois na Comunidade tem ruas organizadas, tem redes de energia e água, muitas famílias pagam contas mensais da COPASA e da CEMIG. Há coleta de resíduos sólidos toda segunda, quarta e sexta-feira. Há CEPs das ruas. As famílias são atendidas nos postos de saúde, UPAs e hospital da cidade de Betim. As crianças e adolescentes estudam em escolas municipais e estaduais. Trata-se de um bairro em franco processo de consolidação.
Temos muitos exemplos que podemos citar de casos parecidos com o da Ocupação Pingo D’água em que o Estado reconheceu a Comunidade e o despejo não aconteceu. Por exemplo, em abril de 2016, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Recurso Especial 1.302.736, confirmou decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) que negou reintegração de posse contra Ocupação que tinha se tornado bairro em Uberaba, MG.
A justiça mineira reconheceu que diante da existência de inúmeras edificações e moradores no local, após tantos anos de disputa judicial, e negou o direito à reintegração de posse em prevalência do interesse público, social e coletivo. A decisão judicial de reintegração foi convertida em perdas e danos a ser paga em dinheiro. Em voto repleto de doutrinas, teses e precedentes, o ministro do STJ, Luis Felipe Salomão, discorreu sobre os princípios da proporcionalidade e da ponderação como forma de o Judiciário dar aos litígios solução serena e eficiente. O ministro relator ressaltou que “o imóvel originalmente reivindicado não existe mais, já que no lugar do terreno antes objeto de comodato surgiu um bairro com vida própria e dotado de infraestrutura urbana.” Segundo a decisão do STJ, não pode ser desconsiderado o surgimento do bairro, onde inúmeras famílias construíram suas vidas, sob pena de cometer-se injustiça maior a pretexto de fazer justiça.([1])
Outro caso julgado pelo STJ é o do Acórdão da Favela do Pullman, em Santo Amaro, SP, que inicialmente era área destinada a um loteamento, mas foi ocupada pouco a pouco e se tornou um bairro em franco processo de consolidação e o Poder Judiciário reconheceu ao final o “perecimento do direito à propriedade”, ou seja, negou o direito de reintegração. Em 2005, o ministro do STJ, Aldir Passarinho Júnior (Relator) decidiu negar a reintegração de nove lotes com 30 famílias na Favela do Pullman. Na decisão, o ministro Aldir afirma: “Trata-se de favela consolidada, com ocupação iniciada há cerca de 20 anos. Está dotada, pelo Poder Público, de pelo menos três equipamentos urbanos: água, iluminação pública e luz domiciliar. Fotos mostram algumas obras de alvenaria, os postes de iluminação, um pobre ateliê de costureira etc., tudo a revelar uma vida urbana estável. No caso da Favela do Pullman, a coisa reivindicada não é concreta, nem mesmo existente. É uma ficção. Os lotes de terreno reivindicados e o próprio loteamento não passam, há muito tempo, de mera abstração jurídica. A realidade urbana é outra. A favela já tem vida própria, está, repita-se, dotada de equipamentos urbanos. Lá vivem muitas centenas, ou milhares, de pessoas. Só nos locais onde existiam os nove lotes reivindicados residem 30 famílias. Lá existe uma outra realidade urbana, com vida própria, com os direitos civis sendo exercitados com naturalidade. A realidade concreta prepondera sobre a ‘pseudo-realidade jurídico-cartorária’. Segundo o art. 77 do Código Civil, perece o direito perecendo o seu objeto. E nos termos do art. 78, I e III, entende-se que pereceu o objeto do direito quando fica em lugar de onde não pode ser retirado. Razões econômicas e sociais impedem a recuperação física do antigo imóvel. O desalojamento forçado de trinta famílias, cerca de cem pessoas – na Favela do Pullman -, todas inseridas na comunidade urbana muito maior da extensa favela, já consolidada, implica uma operação cirúrgica de natureza ético-social, sem anestesia, inteiramente incompatível com a vida e a natureza do Direito. É uma operação socialmente impossível. E o que é socialmente impossível é juridicamente impossível. Em cidade de franca expansão populacional, com problemas gravíssimos de habitação, não se pode prestigiar o comportamento de proprietários que deixam o terreno abandonado sem cumprir sua função social e depois exigem judicialmente reintegração de posse.”
Tal julgado do STJ é inclusive citado pelo TJMG, que em julgamento de recurso (nº 1.0024.13.304260-6/001) envolvendo as ocupações da Izidora, em Belo Horizonte, registrou que o direito de propriedade deve ter correspondência no atendimento à função social, que lhe é inerente, de maneira a buscar a proteção da dignidade humana, fundamento da República (art. 1º, III, da Constituição Federal). Concluiu o desembargador Correia Júnior que prevalece o postulado da dignidade humana em se tratando de questões que envolvem a coletividade da população, mormente por se tratar de desocupação de casas, em que vivem idosos e crianças, com o uso prematuro e inadmissível da força policial, não devendo ser concedida ordem de despejo que favorece o direito de propriedade com violação aos direitos fundamentais.
É injustiça brutal o prefeito Medioli tentar virar as costas para as mais de 100 famílias da Comunidade Pingo D’água alegando que “se trata de um conflito entre particulares”. Em Betim tem um gigante déficit habitacional. Mais de 50 mil famílias sobrevivem em Betim sem o direito à moradia garantido. A Constituição de 1988 assegura o direito à moradia adequada para todas as pessoas, sendo dever do Estado nos três entes federativos: União, Estado e município. Logo, não é justo e o prefeito e nem o Governador de MG não podem se esquivar da responsabilidade que tem de realizar politica habitacional séria e massiva. Só aluguel social e casinhas em lugares de alta vulnerabilidade social não é política habitacional, é paliativo inaceitável.
Outra mentira brutal é alegar que “não se pode fazer REURB-S por a área estar em litígio”. Esta tese é fake news, não tem pé nem cabeça. A Dra. Ana Cláudia Alexandre, defensora Pública da Defensoria Pública de MG, contesta de forma contundente a alegação falsa da prefeitura de Betim: “Este critério impeditivo alegado pelo prefeito de Betim deveria ter vindo na Lei 13.465/17, a Lei da REURB-S e REURB-E, e não veio. A Lei 13.465 é voltada para regularizar núcleos informais – todos -, pois fazer parte da cidade é requisito para ser cidadão/ã. Se a Lei Federal 13.465 não restringiu, não cabe ao Poder Executivo Municipal (o prefeito) criar a restrição. O princípio da legalidade determina que o administrador cumpra a lei. O prefeito é o administrador do município. Por isso, a Lei 13.465 já estabeleceu que isto se dará incluindo, entre outros meios, a desapropriação.”
Há centenas, senão milhares de processos de REURB-S sendo realizados em Ocupações e Comunidades que estão sob litígio judicial no Brasil. Por exemplo, em Timóteo, MG, em maio de 2021, o prefeito baixou decreto de desapropriação de áreas de Ocupações em Timóteo, que estavam com decisão judicial de reintegração de posse. O prefeito, assim, está fazendo REURBs em ocupações sob litígio judicial. Em 22/08/2018, o prefeito de Ribeirão das Neves, MG, instaurou o processo de Regularização Fundiária pela REURB-S da Ocupação-Comunidade Dom Tomás Balduíno, que também está com decisão judicial de reintegração de posse.
Nas Ocupações da Izidora em Belo Horizonte, para impedir o despejo, o Governo de MG, por meio da COHAB, ofereceu outro terreno para a empresa Granja Werneck S/A e, assim, acordo foi celebrado no TJMG e a prefeitura de Belo Horizonte está fazendo, em fase inicial, a regularização e urbanização das comunidades da Izidora. Em Sete Lagoas, MG, cerca de 100 famílias da Ocupação Cidade de Deus, com um ano e meio de existência, sofria a decisão judicial de reintegração de posse, mas com luta e negociação chegamos a um Acordo no qual o Governo de MG cedeu para o município de Sete Lagoas um prédio onde funciona um abrigo público e em contrapartida o prefeito de Sete Lagoas doou o terreno para as 100 famílias e se comprometeu a fazer a regularização fundiária e urbana da comunidade, urbanizando-a. Em Contagem, MG, a prefeita Marília Campos se comprometeu em arrumar outro terreno para a construtora Moschione e fazer REURB-S na Ocupação Guarani Kaiowá.
Poderíamos citar muitos outros exemplos que apontam que o justo, legítimo e necessário para solucionar de forma justa, ética e pacífica o gravíssimo conflito social e urbano que está sacrificando mais de 400 pessoas (mais de 100 famílias) da Ocupação-Comunidade-Bairro Pingo D’água passa, entre outras ações, por:
1) A Câmara Municipal derrubar do veto do prefeito Medioli e promulgar a Lei fruto do PL 162, que declara a área do Pingo D’água como de Interesse Social para fins de desapropriação para se fazer REURBs;
2) O prefeito Medioli baixar decreto desapropriando a área da Comunidade Pingo D’água para fins de REURBs;
3) A prefeitura de Betim e/ou o Governo de MG oferecer outro terreno para a Construtora MRV S/A ou a MRV S/A doar o terreno para as famílias;
4) O poder Judiciário reconhecer e decidir judicialmente que na Comunidade-Bairro Pingo D’água, em franco processo de consolidação, não pode acontecer despejo e que deve ser feito desapropriação indireta/judicial, caso o Executivo Municipal e a Câmara de Vereadores de Betim não façam a REURB-S da Comunidade;
5) Para atender o disposto no Plano Diretor de Betim (Lei 4.574/2007), artigo 3º, II, que afirma que a função social da cidade e da propriedade compreende que todo cidadão tem direito à moradia salubre e segura, deve-se aplicar os instrumentos previstos em seu art. 62 como a Política de Terras Públicas e a Transferência do Direito de Construir;
6) Trilharmos o caminho da negociação via Mesa de Negociação do Governo de MG e do CEJUSC em 2ª instância do TJMG.
Despejo é injusto, desumano e brutalmente violentador sob todos os aspectos. Não aceitamos despejo. O terreno estava abandonado sem cumprir sua função social há várias décadas. Ocupamos por necessidade. Exigimos que a megaconstrutora MRV S/A, o prefeito de Betim, Vitório Medioli, e a Câmara de vereadores nos deixem em paz na nossa comunidade, que já é um bairro em franco processo de consolidação. Não aceitamos pagar pelo terreno. Não temos condição de pagar pelo terreno.
Construtora MRV, doe o terreno pra nós! Para a MRV doar o terreno para as 136 famílias é um ‘Pingo D’água’ no gigante poderio econômico dela. Daqui da Ocupação Pingo D’água não saímos nem mortos.
Estamos indignados com a decisão do Poder Judiciário dada à megaconstrutora MRV Empreendimentos S/A de reintegração de posse (DESPEJO) de mais de 130 famílias, injustiça que clama aos céus. Não abriremos mão do direito de continuar morando em nossas casas construídas com muito suor e trabalho. Ocupamos por necessidade e porque o terreno estava abandonado. Exigimos que o prefeito de Betim, Vitório Medioli, e a Câmara de Vereadores realizem REURB-S (Regularização Fundiária Urbana de Interesse Social da nossa comunidade Pingo D’água), conforme prescreve a Lei Federal 13.465, de 2017. Nossa Comunidade tem mais de dez anos de existência.
Na nossa Comunidade habitam idosos, crianças, homens e mulheres trabalhadores/as. Já constituímos uma verdadeira comunidade instalada, organizada e consolidada com uma vida comunitária colaborativa e feliz. Somos um bairro em franco processo de consolidação.
Jamais aceitaremos despejo, pois temos direito a morar dignamente. Preferimos morrer na luta pelo nosso direito à moradia do que morrer aos poucos com despejo e suas consequências. Despejar-nos será uma brutalidade, uma violência sem fim, pois despejo destrói casas, sonhos, histórias e massacra nossas vidas sob todos os aspectos. Estamos abertos a um processo de negociação justo, transparente e ético que encaminhe uma solução justa para este gravíssimo conflito social e urbano que nos envolve.
EXIGIMOS QUE TODOS/AS VEREADORES/A DE BETIM DERRUBEM O VETO DO PREFEITO MEDIOLI AO PL 162/22, PROMULGUEM a Lei fruto do PL 162 e ENCAMINHEM REURB-S na nossa Ocupação Pingo D’água.
Estamos reivindicando também que o gravíssimo conflito social e urbano que nos envolve seja analisado em Audiência Pública da Comissão de Direitos Humanos da ALMG, na Mesa de Negociação do Governo de MG e pelo CEJUSC ((Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania do TJMG).
DESPEJO, NÃO! NEGOCIAÇÃO JUSTA, SIM!
Assinam esta Nota:
Coordenação da Ocupação-Comunidade Pingo D’água, de Betim, MG
Comissão Pastoral da Terra (CPT/MG)
Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB)
Comunidade Tradicional Quilombola Família Araújo, de Betim
Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Betim, MG (CDDH Betim)
Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares – RENAP
BETIM, MG, 19 de Agosto de 2022.
[1] Cf. https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2016/2016-04-19_15-43_Confirmada-decisao-que-negou-reintegracao-de-posse-contra-bairro-de-Uberaba.aspx
Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.
1 – “Quando pus porta na nossa casa e parei de pagar aluguel, a vida.” Ocupação Pingo D’água, Betim, MG
2 – “Não aceitamos a MRV e Medioli nos despejarem. REURBs, JÁ!” (Ocupação Pingo D’água, Betim/MG Vídeo 4
3 – Por que não pode haver despejo de 114 famílias da Ocupação/bairro Pingo D’água, Betim, MG? Vídeo 3
4 – “Exigimos Medioli na Mesa de Negociação! DESPEJO, NÃO!” Ocupação Pingo D’água, Betim, MG. Vídeo 2
5 – Celebração de Pentecostes e Dia do Meio Ambiente na Ocupação/bairro Pingo D’água, Betim, MG. Vídeo 1
- – Manifesto CLAMOR da Ocupação Pingo D’água, Betim/MG.104 famílias, despejo pelo MRV? E Apoio. Vídeo 6
7 – Frei Gilvander: “CEJUSC e Mesa de Negociação, assumam a Ocupação Pingo D’água, Betim, MG!” Vídeo 5
8 – “Prefeito e vereadores de Betim/MG, FAÇAM REURB p Ocupação Pingo D’água p impedir despejo.” Vídeo 4
9 – Cadê Direitos dos Pobres da Ocupação Pingo D’água, Betim/MG, sob ameaça de despejo por MRV? Vídeo 3
10 – “Nossa casa, nosso sonho!” “Ocupamos por necessidade”. Ocupação Pingo D’água, Betim/MGX MRV. Vídeo 2