Nota do CEDEFES e da CPT/MG sobre Tragédia no Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro.

Nota do CEDEFES e da CPT/MG sobre Tragédia no Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro.

Detalhe de peça cerâmica indígena que estava em exposição no Museu Nacional – Foto: A. Baeta, em 2016.

A equipe do Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (CEDEFES) e os/as agentes de pastoral da Comissão Pastoral da Terra (CPT/MG) encontram-se devastados com o trágico incêndio ocorrido na noite do dia 02 de setembro de 2018, na belíssima edificação histórica que abrigava o MUSEU NACIONAL da Quinta da Boa vista, no Rio de Janeiro, RJ. Grande referência para todos que pesquisam sobre a etnografia, a história indígena e a de outros povos tradicionais de nosso país, o Museu Nacional sempre foi guia e fonte inesgotável de pesquisa e de conhecimento, sobretudo no âmbito da antropologia, da história e da arqueologia. Estamos nos sentindo órfãos e desolados ao saber que gravações, fotografias, vídeos e cadernos de campo sobre centenas de povos indígenas, inclusive povos extintos, foram totalmente incinerados em duas horas de fogo, em um incêndio anunciado. Muitos alertas foram dados às autoridades do Estado Brasileiro, e parece que, de fato, não foi um incêndio de museu a mais; há sérios indícios que demonstram a existência de um Projeto para apagar a memória da nossa pré-história tão rica! Como é o caso do testemunho pré-histórico da Luzia, fóssil de mais de 11,5 mil anos encontrado na Gruta Vermelha no município de Pedro Leopoldo, em Minas Gerais, que revolucionou a concepção sobre a povoação das Américas. A destruição de Luzia, um dos mais antigos esqueletos da humanidade, deu forma à metáfora da vida que vai sendo apagada e destruída pela falta de políticas públicas que respeitem, de fato, a dignidade humana, pela omissão dos/das que, podendo fazer, não fazem, negligenciam, e pela triste cumplicidade dos/das que se calam, como se não fossem parte dessa história e corresponsáveis pelos rumos a essa história dados. Mais de 20 milhões de testemunhos “vivos” da pré-história e da nossa história totalmente devastado e incinerado. O incêndio violentou também os espíritos dos nossos povos ancestrais com seus ritos fúnebres, inclusive.

Para a idolatria do mercado – sistema do capital – e para um Estado cúmplice das opressões capitalistas que despreza e reduz à insignificância o que é relacionado à educação, à ciência, à cultura, à história, porque, na sua concepção, só merecem atenção investimentos que movimentam o deus mercado, nada melhor do que aniquilar a memória. Além da Dívida Histórica com os povos indígenas expropriados de suas terras e da Dívida com povos negros arrancados da mãe África para ser escravizados nas Américas, após serem violentados em navios negreiros, nos Engenhos, na Mineração etc., agora, com o incêndio do Museu Nacional, a classe dominante brasileira e o Estado Brasileiro contrariam uma dívida impagável com a cultura, a memória e com todos os que nos precederam. Oxalá esse incêndio mantenha acesso o alerta para todas as forças vivas da sociedade exigirem cuidado e respeito com nossa história, com nossa pré-história, com nossa memória necessária para termos presente e futuro. De que adianta construir Museu do Amanhã se não temos mais o Museu de Ontem? O Brasil que, sendo de grande extensão territorial, rico de cultura, de tradições belíssimas, de bens naturais, com grandes avanços na ciência e tecnologia, com brasileiros e brasileiras que não se deixam abater pelo cansaço da luta por direitos e por tantas injustiças… Esse mesmo Brasil mostrou ao mundo a face que lhe foi dada pelas chamas desse incêndio que destruiu praticamente todo o Museu Nacional da Quinta da Boa Vita, no Rio de Janeiro: um país que não reconhece em sua história, em seu patrimônio cultural e científico, elementos fundamentais que podem orientar para a construção de um país melhor, fraterno, justo e feliz. Compartilhamos nossa dor e indignação ao saber que coleções compostas por artefatos variadíssimos pré-colombianos, múmias e peças egípcias, artefatos da Polinésia e da África, inúmeros instrumentos pétreos, vasilhames e urnas funerárias da Amazônia e do restante do país oriundos da fase pré-colonial, bem como, peças e adereços indígenas de natureza perecível, tais como: cestaria, trançados, algodão, madeira, ossos e conchas foram totalmente destruídos.

Prestamos a nossa solidariedade aos funcionários, professores, pesquisadores, estudantes e visitadores do MUSEU NACIONAL, lamentando os inúmeros projetos interrompidos por esta inaceitável tragédia, um crime anunciado; ainda a perda de dados de pesquisa, de coleções únicas das áreas da paleontologia, botânica, zoologia, mineralogia, antigos livros, documentos escritos e obras raras.

 SOMOS TODOS MUSEU NACIONAL!

Assinam essa Nota:

Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (CEDEFES);

Comissão Pastoral da Terra (CPT/MG)

Belo Horizonte, MG, 06 de setembro de 2018.

Obs.: A Entrevista, abaixo, em vídeo reforça o dito, acima.

1 – Incêndio no Museu Nacional/RJ: Descaso com a história. Dra. Alenice / Merong e Marinalva, ambos Kamakã. 03/9/2018.