Padre Amaro, da CPT: um incansável defensor dos direitos humanos

Padre Amaro, da CPT: um incansável defensor dos direitos humanos. Por frei Gilvander Moreira[1]

Antes de ser assassinada, em Anapu, no Pará, no dia 12 de fevereiro de 2005, por um consórcio de fazendeiros, Irmã Dorothy Stang profetizou: “Não vou fugir e nem abandonar a luta desses agricultores que estão desprotegidos no meio da floresta. Eles têm o sagrado direito a uma vida melhor, em uma terra onde possam viver e produzir com dignidade sem devastar”. Mataram irmã Dorothy, mas milhares de outras Dorothys continuam a luta pela terra e em defesa da Amazônia. Diante do corpo matado da Irmã Dorothy e diante do Deus da vida, padre José Amaro Lopes de Sousa renovou seu juramento de continuar a missão de Jesus Cristo e da Irmã Dorothy junto às comunidades camponesas tão violentadas pelos capitalistas que atuam na região de Anapu, no Pará. Ao ser preso em Anapu, padre Amaro sugeriu às irmãs de missão: “Continuem indo às comunidades. Não parem a missão.”.

“A verdade nos liberta” (João 8,32), afirma o quarto Evangelho da Bíblia. Em busca da verdade, precisamos reafirmar o que segue: Padre José Amaro Lopes de Sousa, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em Anapu, no Pará, foi preso no dia 27 de março de 2018, sem a apresentação das provas dos crimes que acusavam que ele teria cometido. Não podemos aceitar as notícias veiculadas pela grande mídia sobre a prisão do padre Amaro como se fossem a verdade. Há indícios sérios de que a prisão do padre Amaro tenha sido ilegal, injusta e inconstitucional. Verdade é que desde 2001, o Centro de Documentação Dom Tomás Balduino, da CPT, registra ameaças de morte contra o padre Amaro, que se sucederam diversas vezes nos anos seguintes. Ameaças de morte por causa do trabalho pastoral que padre Amaro faz na defesa das/os camponesas/es, da floresta Amazônica e de todas/os as/os injustiçadas/os na região de Anapu, no Pará.

Para as irmãs da Congregação de Notre Dame de Namur, mesma congregação da Irmã Dorothy Stang: “Padre Amaro é um incansável defensor dos direitos humanos e, por isso, é odiado pelos exploradores da região e por aqueles que acobertam seus crimes. Há muito tempo que ele vem sendo ameaçado de morte pelos latifundiários, por aqueles que querem se apropriar criminosamente de terras públicas para explorá-las, à custa da expulsão do povo que precisa das terras para sobreviver”. Esse testemunho é verdade, pois as irmãs e padre Amaro trabalham juntos na pastoral e na missão desde os tempos de Irmã Dorothy Stang.

Os bispos Dom João Muniz Alves, bispo do Xingu, e Dom Erwin Kräutler – também muitas vezes ameaçado de morte e de ressurreição -, bispo emérito do Xingu, escreveram em Nota: “Manifestamos nossa fraterna solidariedade ao padre Amaro, incansável defensor dos direitos humanos, defensor da regularização fundiária, da reforma agrária e dos assentamentos de sem-terra. Há anos alvo de ameaças, padre Amaro agora é vítima de difamação para deslegitimar todo o seu empenho em favor dos menos favorecidos”.

A Comissão Pastoral da Terra, no Regional Pará, em Nota afirmou: “Padre Amaro: uma prisão com indícios de armação. […] Não é novidade a intenção da Polícia Civil de Anapu em criminalizar o trabalho das lideranças da CPT no município, especialmente, o padre Amaro. Não foi diferente na época de Dorothy. Durante as investigações do assassinato da missionária, o então delegado de polícia de Anapu, Marcelo Luz, foi acusado pelos próprios fazendeiros investigados, de receber propina para dar proteção a eles nas terras griladas e não dar seguimento às denúncias feitas por Dorothy. […] Padre Amaro vem recebendo ameaças de morte há vários anos da parte de fazendeiros que ocupam ilegalmente terras públicas no município de Anapu. O ódio dos fazendeiros contra ele e a CPT é devido ao apoio dado aos trabalhadores rurais na conquista dessas terras. Em relação à Irmã Dorothy, que também foi ameaçada, a decisão dos fazendeiros foi de encomendar sua morte. Dada a repercussão do crime e a prisão dos fazendeiros, ao que tudo indica, houve mudança de estratégia em relação ao padre Amaro, ou seja, tentar afastá-lo de seu trabalho em Anapu, por meio da criminalização e tentativa de desmoralização de seu trabalho.”

Os Movimentos Sociais Populares da região do Xingu divulgaram carta coletiva contra a prisão arbitrária do padre Amaro, militante da luta pela terra na região. Denunciaram em Nota pública: “[…] A prisão preventiva do padre Amaro faz parte de um contexto de conflitos fundiários no Pará e não está desvinculada de outros crimes que já aconteceram na região como ameaças, difamação, calúnia, agressões e execuções de pessoas que lutam pela reforma agrária, pela igualdade e ousaram questionar o “consórcio da morte” executor da irmã Dorothy Stang, Ademir Frederick (DEMA), Brasília Bartolomeu Dias (Brasília), Maria do Espírito Santo, José Cláudio e Chico Mendes, das vítimas da chacina de Pau D’arco e Colniza, entre outros executados e silenciados pela crueldade, covardia e ganância. Trata-se de um grande consórcio da morte composto por latifundiários, que age por meio da militarização contra o povo, e é legitimado por membros corruptos do poder Judiciário, Executivo, Legislativo e entre outros que desrespeitam leis ambientais e fundiárias, acordos internacionais e convenções socioambientais e direitos fundamentais (acesso à moradia, saúde, educação e a vida).”

Centenas de Movimentos Sociais Populares e organizações de Direitos Humanos, em Nota, afirmaram: “[…] Padre Amaro é uma das vozes que constantemente vem denunciando tais violências acontecendo em Anapu. Ele também vem denunciando o silêncio das autoridades e, inclusive, a atuação estranha de certos agentes públicos como a polícia em Anapu, sobre quem pesa muitas interrogações”.

Não é fato novo que agentes da CPT sejam vítimas desse tipo de criminalização, sendo presos, denunciados, processados e até mesmo vítimas de homicídios por assumir compromisso com a causa dos camponeses explorados e expropriados. Por exemplo, padre Ezequiel Ramin foi assassinado, em Cacoal, em Rondônia, dia 24 de julho de 1985, e o padre Josimo Tavares, em Imperatriz, no Maranhão, dia 10 de maio de 1986. Em Alhandra, na Paraíba, frei Anastácio, em 1995, foi condenado em primeira instância acusado de diversos crimes, mas na realidade, ele trabalhava de forma coletiva na defesa das/os camponesas/es Sem Terra acampados ou assentados e lutava pela terra e por moradia, mas em segunda instância foi absolvido em defesa feita pelas/os advogadas/os da Rede Nacional de Advogadas/os Populares (RENAP).

Essa prisão de padre Amaro vem na sequência de diversas ações de Temer, governo ilegítimo, e de governos estaduais que têm feito muitas tesouradas e provocado retrocessos nos direitos do povo pobre e trabalhador, mas, sobretudo, vem imediatamente após a regulamentação, pelo Decreto 9.310, de 15 de março de 2018, pelo Governo golpista de Temer, da Lei 13.465 de 2017, conhecida como lei que regulamenta a grilagem de terras no Brasil, sendo que, com esta regulamentação, torna-se muito pior a injustiça agrária e afeta a vida do povo pobre camponês da região amazônica também, pois regulamenta a grilagem de terra, algo sempre denunciado pelo padre Amaro.

Diz a sabedoria popular: “Diga com quem tu andas, o que tens feito, que direi quem tu és”. Padre Amaro anda com o espírito profético de Jesus de Nazaré, de irmã Dorothy e de frei Henri Rosiers, destemido advogado da CPT que passou para a vida plena recentemente. Padre Amaro anda na companhia das irmãs de Notre Dame e do povo camponês que luta aguerridamente para que a terra seja partilhada e socializada. Padre Amaro anda ainda na companhia de Dom Erwin Kräutler, um profeta dos nossos dias. Enfim, padre Amaro tem história de compromisso com a justiça e a paz, com o reino do Deus da Vida iniciando aqui e agora. Feliz os perseguidos por causa da luta pela justiça, como padre Amaro, porque deles é o reino dos céus. Feliz você, padre Amaro, por estar sendo insultado, caluniado e difamado por causa do projeto do Evangelho de Jesus Cristo que quer vida e liberdade em abundância para todos/as, a partir dos oprimidos. Jesus veio para libertar os presos (Lucas 4,18) e, após ser preso e executado na cruz, ressuscitou. Em breve, nosso querido irmão padre Amaro estará libertado e com mais autoridade para continuar sua missão libertadora ao lado do povo oprimido e do bioma amazônico tão agredido.

Belo Horizonte, 30/3/2018.

Obs. 1: As Notas e citações referidas no texto, acima, estão publicadas nos dois links, abaixo:

https://cptnacional.org.br/publicacoes-2/destaque/4300-nota-publica-o-avanco-da-criminalizacao-nao-vai-parar-nossa-missao

https://cptnacional.org.br/publicacoes-2/destaque/4301-manifestacoes-de-apoio-e-solidariedade-a-padre-amaro

Obs. 2: Os vídeos, abaixo, ilustram o texto, acima.

  • 1) Padre Amaro: Minha convivência com Irmã Dorothy
  • 2) Enfrentamento contra a Extração Ilegal de Madeira em Anapu – Padre Amaro
  • 3) Caminhos da reportagem – um sonho: a terra

[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG.

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