Rosa Luxemburgo na luta das Mulheres: e os cristãos?

Rosa Luxemburgo na luta das Mulheres: e os cristãos? Por Gilvander Moreira[1]

Foto: Mídia Ninja

Dia 08 de março de 2022, Dia Internacional de Luta das Mulheres. Por que e para quê?  

          Primeiro, temos que dizer que todo dia é dia da mulher, mas o mês de março é especialmente o Mês das Mulheres. Na União Soviética, ainda antes da Revolução Soviética de 1917, mulheres camponesas fizeram muitas lutas por terra, pão e liberdade, o que fez eclodir a Revolução socialista de 1917, e nas repúblicas socialistas soviéticas, todo ano, o dia 08 de março passou a ser celebrado como o Dia Internacional das Mulheres. Nos Estados Unidos tentaram apagar essa história e inventaram uma falsa história que diz ser o dia 8 de março como tendo sido iniciado por mulheres trabalhadoras estadunidenses, o que não é verdade. A maior homenagem que uma mulher pode receber é respeito, admiração e amor. “Não só flores, mas respeito”, exigem as mulheres. “Não apenas nos deseje “feliz dia”. Levante-se e lute conosco!”, bradam as mulheres lutadoras. Sugiro a leitura do nosso artigo “Mulheres na luta sempre, na Bíblia e hoje” em www.gilvander.org.br .[2]

Segundo, precisamos ouvir o que a filósofa Rosa Luxemburgo (1871 a 1919) analisou e denunciou sobre a postura da Igreja na sociedade. No ensaio O socialismo e as igrejas, de 1905, Rosa Luxemburgo defende que os socialistas modernos são mais próximos dos princípios originais do cristianismo e o clero conservador da atualidade, não. Eis algumas afirmações eloquentes de Rosa Luxemburgo para nossa análise: “Desde que os socialistas lutam por uma ordem social de igualdade, liberdade e fraternidade, os padres, se honestamente quisessem implementar na vida da humanidade o princípio cristão “ama ao próximo como a ti”, deveriam dar as boas-vindas ao movimento socialista. […] Quando o clero apoia o rico, e aqueles que exploram e oprimem o pobre, estão em contradição explícita com os ensinamentos cristãos: servem não a Cristo, mas sim ao Bezerro de Ouro e ao chicote que açoita os pobres e indefesos. […] A flagrante contradição entre as ações do clero e os ensinamentos do cristianismo deve ser matéria de reflexão para todos nós. […] De acordo com a situação material dos escravos, os primeiros cristãos fizeram a proposta da propriedade em comum – o comunismo. […] Os cristãos dos primeiros séculos eram comunistas fervorosos. Mas era um comunismo baseado no consumo de bens acabados e não no trabalho, e demonstrou-se incapaz de reformar a sociedade, de pôr fim à desigualdade entre os homens e de derrubar as barreiras que separavam os pobres dos ricos” (LUXEMBURGO [1905], 2002, p. 112-115).

Segundo Rosa Luxemburgo, os socialistas discordam dos primeiros cristãos comunistas, pois dizem: “não queremos que os ricos compartilhem seus bens com os pobres: não queremos caridade nem esmola; nada disso pode apagar a desigualdade entre os homens. O que exigimos não é que os ricos dividam com os pobres, mas que não haja ricos e pobres” (LUXEMBURGO [1905], 2002, p. 116-117). Rosa aponta uma ingenuidade metodológica na proposta das primeiras comunidades cristãs, narrada na Bíblia, no livro de Atos dos Apóstolos: “Os primeiros cristãos acreditavam poder remediar a pobreza do proletariado com as riquezas dispensadas pelos possuidores. É o mesmo que pegar água com um coador” (LUXEMBURGO [1905], 2002, p. 117)! Ao fazer uma contundente retrospectiva histórica do cristianismo e da igreja, Rosa Luxemburgo reconhece que as primeiras comunidades cristãs, originárias basicamente do seio dos escravos, cultivavam significativa fidelidade ao projeto do evangelho de Jesus de Nazaré. E também na época da Patrística, denunciando as injustiças sociais, “os Pais da Igreja prosseguira, no entanto, a luta contra esta penetração da desigualdade social no seio da comunidade cristã, fustigando aos ricos com palavras ardentes e exortando-os a voltarem ao comunismo dos primeiros Apóstolos” (LUXEMBURGO [1905], 2002, p. 117).

Rosa Luxemburgo fez questão de citar alguns dos Pais da igreja – Basílio, João Crisóstomo e Gregório Magno – como mentores de uma espécie de comunismo dos primeiros cristãos. “São Basílio, no Século IV depois de Cristo, predicava assim contra os ricos: “Infelizes, como os justificarei perante o Juiz Celestial? Vós me perguntais: ‘Qual é a nossa culpa, se só guardamos o que nos pertence?’ E vos pergunto: ‘Como conseguistes o que chamais vossa propriedade? Como se enriquecem os possuidores se não é tomando posse das coisas que pertencem a todos? Se cada um tomasse apenas o que necessitasse e deixasse o resto para os demais, não haveria ricos nem pobres” (LUXEMBURGO [1905], 2002, p. 117).

Na mesma linha proclamava também João Crisóstomo, patriarca de Constantinopla. No século VI, Gregório Magno exortava as comunidades cristãs: “Quando dividimos com os que sofrem, não lhes damos o que nos pertence, mas o que lhes pertence. Não é um ato de compaixão, mas o pagamento de uma dívida” (LUXEMBURGO [1905], 2002, p. 118).

Entretanto, constata Rosa Luxemburgo que “as condições econômicas resultaram mais poderosas do que os mais belos discursos. Na Idade Média, enquanto a servidão reduzia o povo trabalhador à pobreza, a Igreja enriquecia-se cada vez mais” (LUXEMBURGO [1905], 2002, p. 119), cobrando dízimo obrigatório no valor de 10% sobre a renda e sobre as propriedades de quem possuía. Além disso, outros impostos e inúmeras doações e testamentos eram recebidos pela igreja. As doações para a igreja provinham de “libertinos ricos de ambos os sexos que à beira da morte queriam pagar por sua vida pecaminosa. Entregavam à Igreja dinheiro, casas, aldeias inteiras com os seus servos e a renda de terra e os impostos em trabalho (corveia)” (LUXEMBURGO [1905], 2002, p. 119).

Rosa Luxemburgo fez muitas outras análises demonstrando que, ao longo da história e no início do século XX a Igreja se caracterizava por atuar sustentando o poder opressor e beneficiando-se dele. Mais algumas colocações de Rosa Luxemburgo são importantes serem aqui fixadas. Por exemplo: “Quando o proletariado do campo e da cidade se levantava contra a opressão e a servidão, encontrava no clero um inimigo feroz. É certo que no seio da Igreja existiam duas classes: o clero superior, que absorvia toda a riqueza, e a grande massa de padres rurais com modestos recursos. Essa classe sem privilégios se insurgia contra o clero superior, e, em 1789, durante a Grande Revolução, uniu-se ao povo para lutar contra o poder da nobreza secular e eclesiástica. […] O socialismo não é a generosidade dos ricos para com os pobres, mas a abolição total da diferença entre ricos e pobres, obrigando todos/as a trabalhar segundo sua capacidade mediante a abolição da exploração do homem pelo homem” (LUXEMBURGO [1905], 2002, p. 120 e 122).

Rosa Luxemburgo encontrou motivos para ser veemente na crítica aos padres: “Estes Judas caluniam quem desperta a consciência de classe. […] Quando os padres usam o púlpito como meio de luta política contra a classe operária, os operários devem combater os inimigos de sua libertação, usem batina ou farda” (LUXEMBURGO [1905], 2002, p. 123-124).

Dessa forma, Rosa Luxemburgo compreende o proletariado socialista em luta revolucionária como um movimento que aproxima o Evangelho de Jesus Cristo da fraternidade social e defende a igualdade substantiva de todos a partir dos/as injustiçados/as, e chama as pessoas a estabelecerem na terra o Reino da Liberdade e do Amor ao Próximo. Sigamos na luta pela superação do sistema capitalista ao lado das mulheres de luta, admirando-as, aprendendo com elas e acima de tudo respeitando-as, pois elas estão doando suas vidas na construção de uma sociedade sem exploração, com liberdade e fraternidade real para todos/as.

Referências.

 LÊNIN, Vladimir Ilitch. O Socialismo e a Religião [1905]. In:   https://www.novacultura.info/post/2021/03/17/lenin-socialismo-e-religiao  

09/3/2022.

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 – Verdades que precisam ser ditas em Betim/MG. “O negócio do Medioli é destruir”. Mulher de coragem!

2 – Três mulheres de luta: “O justo é NÃO DESPEJAR a Ocupação Cidade de Deus, de Sete Lagoas/MG”–24/5/21

3 – Presença e atuação das Mulheres na Bíblia. Emancipação ou opressão? Diferentes leituras – 05/03/2021

4 – Margareth da padaria, em Santa Rita de Caldas, sul de MG: mulher imprescindível! 08/9/2019

5 – “Sem medo de ser mulher” e Cruz do Compromisso na IV Romaria/Águas/Terra/Bacia/rio Doce. Vídeo 10

6 – Mulheres guerreiras do MLB no V Congresso Nacional do MLB em Recife. Vídeo 6 – 13/9/2019

7 – Anita Santos, mulher negra, luz para o povo da Ocupação Anita Santos, BH, MG. Vídeo 3. 26/7/2019

8 – Luta contra Racismo/Violência contra as Mulheres/Opressão do Capital. “Uni-vos!” (Frei Gilvander)

9 – Carliusa Kiriri, mulher guerreira: “O nosso lugar é aqui!”(Caldas/MG) – Vídeo 6 – 27/1/2019.


[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

[2] http://gilvander.org.br/site/mulheres-na-luta-sempre-na-biblia-e-hoje-por-frei-gilvander/