Série Januária Já Teve – Histórias de Januária, em Minas Gerais. Por Antônio Inácio Corrêa[1]
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Dando continuidade às histórias da Série Januária Já Teve, vamos falar mais sobre as lutas do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) de Januária, MG. Na edição passada falamos sobre o trabalho escravo e a invasão dos gerais entre outras histórias e agora falamos sobre as mudanças que houve durante sua trajetória. Este sindicato, como tantos outros, foi criado pela mídia para reconhecer os trabalhadores perante o INSS, mas com a abertura que houve após o golpe militar de 1964, o movimento sindical nacional abriu as lutas para que os sindicatos assumissem todas as demandas de seus filiados, inclusive as lutas agrárias, combate ao trabalho escravo, direitos previdenciários e tudo mais. Com o passar do tempo, os sindicatos ficaram responsáveis por montar os processos visando aposentadoria, assinar e protocolar no INSS para a revisão final. Assim muitas diretorias que não eram compromissadas com os demais problemas da classe trabalhadora tornaram-se apenas agentes da Previdência, como foi o nosso sindicato, que apos vários anos de lutas, abandonou as lutas pela terra, combate ao trabalho escravo e direitos trabalhistas. Agora com o desgoverno federal que temos, cortou os direitos das diretorias assinarem os processos de aposentadorias dos trabalhadores rurais e outros, inclusive, negociações entre patrão e empregados, entre outros. Agora parece que acabou de acabar. A 1ª providência tomada pelo governo foi acabar com o Ministério do Trabalho, mostrando assim que deseja liquidar com o sindicalismo no Brasil, mas muito interessado em fortalecer o patronato, onde chegou a perdoar muitos bilhões de reais de dividas das empresas por sonegação de contribuição da previdência. Aqueles sindicatos que estavam acomodados apenas com a previdência sentiram, mas nem tanto, mas aqueles que lutavam de ponta a ponta igual o nosso que chegou a ser um dos mais atuantes do norte de Minas, chegou a ser um desastre. Esperamos que nem todo mal dure para sempre, e que brevemente estaremos livres para que tudo restabeleça e a democracia volte a ser realidade. Assim voltaremos a ser felizes, onde nosso sindicato consiga eleger uma diretoria competente, compromissada com os direitos da classe camponesa.
Outras: VOCÊ sabia que nosso país está voltando a ser um dos maiores concentradores de riqueza e renda e aumentando as desigualdades sociais do mundo? Verdade, O governo Lula encontrou o valor do salário mínimo em 86 dólares e deixou com quase 300 dólares. Agora o salário mínimo já não vale mais nem 200 dólares… (Umas e Outras 84).
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O que referimos sempre é a história que Januária, MG, já teve, sem esquecer que muitas coisas melhoraram, mas o fato de termos passado de exportador a consumidores nos deixa preocupados. Vejo todos os dias o homem do campo comprando feijão, arroz, farinha de mandioca, polvilho e até verduras. Quantos comerciantes daqui de Januária eram exportadores dos produtos da região e agora só encontramos comerciantes que importam produtos de fora para serem vendidos aqui. Aí não tem região que aguenta já que não veio indústrias para equilibrar a economia da região. Apesar de termos muita terra ociosa e bastante água para irrigação, ainda assim somos dependentes de produtos de fora. O fato é que vieram muitas empresas de fora, expulsando o homem da terra e para aumentar o plantio de pastos para a criação de gado que gera poucos empregos e o essencial será buscado lá fora. Teve as carvoeiras que desmataram todo o cerrado e foram embora, só serviu para destruir os cerrados e as nascentes, exerceram o trabalho escravo, como também as reflorestadoras que foram embora depois de destruírem a fauna e a flora e expulsar o homem do campo. Conheço milhares de famílias que hoje moram nas grandes cidades e já foram trabalhadores do campo. Outros, já idosos, mudaram para a cidade. O campo tornou-se um deserto, ou seja, a força do trabalho foi parar em outras regiões. Com o Projeto Luz Para Todos e outros aquelas pessoas que aposentam voltam para o campo em busca de sossego que nas grandes cidades não tem. Queremos só mostrar o que melhorou e piorou em nossa região, onde muita gente que viveu aquela época está sempre relembrando as histórias, onde muitos divergem, principalmente a juventude mesmo com o desemprego gritante que assola o país de ponta a ponta. Assim nossa região transformou completamente, desde a economia e também a cultura de nosso povo que vem enfrentando um momento de grande apreensão por falta de projetos para o homem do campo. Até a previdência! Com o governo atual tornou-se muito mais difícil requerer aposentadoria rural ou urbana, o que empobrece mais as regiões como a nossa, de poucos recursos.
OUTRAS: VOCÊ sabia que podemos deixar de receber apoio da Organização Mundial da Saúde (OMS) por causa das atitudes deprimentes do presidente Bolsonaro? Vacinas que estão previstas e outras providências foram discutidas em reunião no final desta semana passada, sendo que o Brasil muito afetado pelo novo coronavírus não foi se quer convidado. Preocupante e vergonhoso.
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Continuando as histórias como foi e como é Januária, MG, e região tiveram muitas mudanças, umas para melhor e outras para pior. Nesta região produzia muitos produtos, onde exportava e hoje consumimos. Por exemplo, naquele tempo não tinha óleo de soja, mas tinha o óleo de coco babaçu e o toucinho de porco que era o mais consumido e era também produto de exportação, como era o milho que servia para a engorda de porcos e para o consumo humano, de galinhas e para a venda para outras cidades. Hoje quanto custa um saco de milho no comércio local? Já passou de R$50,00 (Cinquenta Reais) reais em plena safra, mas o preço onde tem para exportar de 26,00 o saco. Um aumento de 100% que fica entre o frete que vem de longe e o atravessador.Vejam que aí estamos perdendo muito, sem falar em outros produtos que passamos a ser consumidor. Naquele tempo a gente produzia e não tinha transporte. Hoje temos transporte e não tem produção. A cultura também mudou bastante, onde tínhamos bons conjuntos musicais, tinha as músicas sertanejas e outras músicas compostas na região. Hoje as músicas modernas copiadas em outras culturas, sem letras, composições e conjuntos que são um barulho infernal. Estou falando em mudanças, cada um tem o direito de comentar e dizer o que melhorou ou piorou. Aí vem também a nossa produção de cachaça e rapadura muito produzida na região. A cachaça, considerada a melhor do Brasil, perdeu a patente para Salinas e outras regiões, enquanto a rapadura que também era exportada para outras regiões, hoje é encontrada em pequenas quantidades no mercado local. As propriedades rurais eram ocupadas na maioria por imensos canaviais, e hoje são ocupadas por pastagens, onde milhares de pequenos produtores foram para outras bandas, deixando de ser produtores em nossa terra e passaram a ser empregados em outras regiões, por falta de incentivos e apoio. É bom lembrar que tinha as plantações de mamona e algodão, uma grande fonte de renda para a região e todo o norte de Minas Gerais. Tudo isto acabou por falta de mercado, durante e depois do golpe militar de 1964, que investiu muito nas empresas carvoeiras, de reflorestamento e agropecuárias. Acabou também a produção de farinha de mandioca e seus derivados muito produzidos na região.
OUTRAS: VOCÊ sabia que os apoiadores de Bolsonaro fazem passeatas ameaçando invadir o Supremo Tribuno Federal? Além deste atrevimento pregam abertamente novo golpe militar, tudo isto acompanhado pelo próprio Bolsonaro que deveria ser punido por descumprir a Constituição.
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Vamos continuar recordando nossas lutas e histórias passadas. Desta vez vamos comentar sobre o Encontro de dirigentes sindicais promovido pelas federações de trabalhadores rurais da Bahia e Minas Gerais, em Santa Maria da Vitória, no oeste baiano, no ano de 1984. Falta eu lembrar a data completa. Daqui do Norte de Minas Gerais fui eu, Antônio Inácio Correa; Juarez, de Bocaiúva; Elói Ferreira da Silva, de São Francisco, onde o mesmo foi assassinado no mesmo ano por grileiros de terra; Luiz Chaves, advogado da FETAEMG; Siciliano, diretor financeiro também da FETAEMG; e outros de outras regiões do estado de Minas Gerais. Da Bahia foram mais representantes por ser a Federação promotora do evento. O auge das discussões foi sobre a expulsão dos trabalhadores do campo e o trabalho escravo. Lembro-me que o presidente do STR[2] de Correntina, na Bahia, apresentou várias denúncias, mas a principal foi de uma empresa de reflorestamento onde tinha mais de 200 empregados em regime de escravidão. Entre estes tinha muitos trabalhadores do Norte de Minas, onde foi preciso a ida urgente de uma comitiva dos diretores das respectivas federações, acompanhados pela Polícia Militar da Bahia e agentes do Ministério do Trabalho. Lá foram encontrados todos sem carteira de trabalho, sem receber pagamentos ha vários meses e não podiam sair da fazenda para locais muito distantes. Assim ficamos neste encontro, onde constatamos muitas denúncias, onde a violência de todas as formas era usada.
Estes encontros eram muito importantes, pois foi justamente na época do golpe militar onde estas empresas tinham proteção e regalias e justamente em regiões longe de segurança. Lembro-me que aqui em Januária chegavam muitas queixas no STR de pessoas que conseguiam fugir, às vezes, do sertão da Bahia, onde tinham sido induzidos pelos empreiteiros e transportados para regiões desabitadas. Segundo contaram que muitos ficaram morando por lá em cemitérios próprios para este fim. Como não podíamos adentrar lá por ser outro estado, certa vez foi preciso encaminhar denúncias à Policia Federal por meio da CONTAG[3] em Brasília. Naquela época, esta região do Norte de Minas, nordeste de Goiás e oeste baiano eram um antro de todas as violências ocorridas contra os direitos dos trabalhadores do campo. Isto acontecia em todo Brasil, onde muitos dirigentes sindicais foram assassinados por defender os direitos dos trabalhadores. Era uma situação que a grande maioria da população nem tomava conhecimento, pois a grande imprensa não publicava estes fatos. Nossa região mesmo foi palco de muitos fatos. Por tudo isto, estamos publicando para que as histórias não acabem no esquecimento.
Januária, norte de Minas Gerais, 23/6/2020.
[1] O Camponês Antônio Inácio Correa, residente em Januária, no norte de Minas Gerais, é um grande e histórico militante do campesinato brasileiro. Ele participou no Paraná, em 1984, do Encontro em que criou o MST, foi um combativo sindicalista na região de Januária, agente da Comissão Pastoral da Terra, companheiro de Eloi Ferreira. Antônio escreve semanalmente a coluna UMAS E OUTRAS sobre a História de Januária, que é publicado em um jornal local. Antônio Inácio Correa é autor o livro Um lavrador no reino do latifúndio: a luta secular de Davi contra Golias, Ed. Vozes. Endereço do autor: Rua B, 39 – Vila São João – Januária, MG – email: a.inaciocorrea@yahoo.com.br
[2] Sindicato dos Trabalhadores Rurais.
[3] Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura.