Urgente! RETOMADA KEWÁ MATAMBA, EM BELO HORIZONTE, AOS PÉS DA SERRA DO CURRRAL, KILOMBO MANZO NGUNZO KAIANGO

CARTA DA RETOMADA KEWÁ MATAMBA, EM BELO HORIZONTE, AOS PÉS DA SERRA DO CURRRAL, KILOMBO MANZO NGUNZO KAIANGO

Saudações kilombolas!

Com a licença de Pai Benedito, com as bênçãos de nossas mais velhas e mais velhos, em respeito às crianças e a nossa juventude, com a força das águas, matas, terras e ares; aos povos das Gerais:

É com a força dos búfalos, enfrentando e enfeitando a tempestade de ventos, que hoje, 24 de maio de 2024, o Kilombo Manzo Ngunzo Kaiango firma o seu ponto e demarca o Território Kewá Matamba, espaço ancestral e sagrado aos pés da Serra do Curral, na zona leste da cidade de Belo Horizonte, em aliança e com apoio ativo do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas – MLB e dos núcleos e elos da Teia dos Povos.

Reafirmamos aqui, nossa conexão sagrada com esse território, que cuida e nos dá condição de nos mantermos fortes e unidos. Sem a terra, o território, a mata, as águas e as plantas, o quilombo e o terreiro não tem como existir. Buscamos construir nossa autonomia kilombola para além do Estado, continuando nossas tradições sagradas de plantio, educação e conexão com a natureza, protegendo nossa forma de ser e viver. O Kilombu é espaço de resistência religiosa e cultural, referência de patrimônio afro descendente e local de formação e vivência.

Retomamos esse território para construir nossa Escola das Ngoma, um espaço em que floresça uma pedagogia dos tambores (ngoma), que acolha e fortaleça o envolvimento de nossa juventude com o território e nossas práticas, em uma “educação não para ter, mas para poder ser”.

Continuaremos a missão dada por Pai Benedito, que na década de 70 orientou nossa Mãe Efigênia, matriarca liderança máxima da comunidade, para que construísse um lugar de acolhimento, onde quem chegasse pudesse ter água, comida e cama para dormir. Mãe Efigênia, conhecida como Mametu Muiandê, é bisneta de escravizadas que se aquilombaram no Quilombo Engenho Novo, em Ouro Preto, região que é símbolo do vínculo entre a mineração e o processo escravizador dos povos africanos no Brasil. A história de Mãe Efigênia nos mostra a continuidade histórica da resistência kilombola frente à mineração e às opressões sofridas.

Na década de 70, no bairro Santa Efigênia plantou suas raízes, junto a uma nascente, um bambuzal e uma área de vegetação, riqueza que dialoga e mantém as práticas do Terreiro. Guiada por seu preto velho, ali construiu seu barraco. Dedicou um quartinho para sua Umbanda e assim, deu vida à Senzala de Pai Benedito, espaço onde iria cuidar de muita gente e também do território que habitava.

Firmada nesta terra, Mãe Efigênia criou sete filhos e mais de vinte filhos dos outros, além das várias pessoas que acolheu e cuidou ao passarem pela Senzala. A Serra do Curral, a Mata da Baleia, o córrego do Cardoso e as várias águas que ali corriam, foram a base para nos relacionar diretamente com nossa ancestralidade. É onde nasce toda força que nos alimenta e nutre a seiva de nossa fé. Não podemos fazer nada sem as nossas folhas, sem água não temos vida e nem ancestralidade, temos o compromisso e a missão de proteger toda essa abundância sagrada de nosso território, e vamos continuar fazendo isso em nossa retomada.

Querem forçar o kilombo a ser cidade! Ao longo das décadas, a expansão urbana e a mineração foram tomando o território e os caminhos que sempre fizemos para sustentar nossos modos de vida e nossa espiritualidade. Em 2012, fomos violentamente expulsos de nossas casas pela Defesa Civil e pela Companhia Urbanizadora e de Habitação de BH (URBEL). Essa ação feita pelo Estado, carregada de preconceito racial e intolerância religiosa, marcou uma ruptura e um enfraquecimento dos laços comunitários do Manzo. Transferidos para um abrigo público, fomos impedidos de realizar as práticas religiosas e de dar continuidade aos nossos projetos. O terreiro de Candomblé teve que se mudar para Santa Luzia, junto de Mãe Efigênia, e isso contribuiu mais ainda para o distanciamento da comunidade da nossa religião de matriz africana.

Ao retornar, encontramos nosso terreiro destruído e nosso território desmatado. Eles tiraram de nós o que nos sustenta, o que nos mantém. Mataram as plantas que sabem que são parte da nossa identidade cultural e religiosa, que têm com a nossa gente uma relação ancestral. Se a estratégia imposta é romper o nosso vínculo com a natureza, insistimos em retomar nossas tradições e nossa presença nesse território!

Na missão de cuidar e curar do território que nos envolve, lutamos e vencemos a suspensão das atividades de mineração na Serra do Curral em 2022, que ignorava nossa existência e violava o nosso direito de consulta prévia, livre e informada, além de ameaçar os nossos modos de vida e o território natural que nos sustenta. Em nossa retomada, seremos guardiões dessa grandiosa serra, que protege e nutre toda a cidade.

Em abril de 2023, na Pré-Jornada de Agroecologia de Minas Gerais, realizada no Manzo pela Teia dos Povos, demos o primeiro passo para a retomada de nosso território, reunindo diversos povos, territórios, movimentos e apoiadoras, cultivando uma potente aliança entre povos, territórios, movimentos e apoiadoras. Re-plantamos uma muda de Jatobá, plantas sagradas e outras que nos ajudam a recuperar o solo degradado. Durante esse ano, realizamos diversos mutirões, que firmam nossa presença, a relação espiritual com o território e o compromisso com sua proteção.

A Retomada Kewá Matamba é uma afirmação de que vamos continuar realizando nossos rituais, colhendo nossas ervas, plantando nossas roças de quilombo e construindo nossa educação das Ngoma. Vamos sustentar nossas autonomias e garantir nossos modos de vida no território. Que nossos tambores alcancem e ecoem com os que ousam construir e encantar o mundo novo!

Que nossa Mãe Matamba ilumine todos nós, que vamos caminhando pelos nossos territórios.

Que ilumine todos nós, nesta grande caminhada!

Que Ógùn abençoe, Nkosi abençoe, abra os caminhos de luz e prosperidade, e que leve todos até o topo da montanha.

Asé Ngunzo, nosso terreiro é comandado por mulheres negras e estamos aqui para gritar.

Ninguém vai derrubar os nossos territórios!

REDES SOCIAIS:

Belo Horizonte, MG, Serra do Curral, madrugada de 24/05/24

LOCAL da Retomada KEVÁ MATAMBA, EM BELO HORIZONTE, NA SERRA DO CURRRAL, KILOMBO MANZO NGUNZO KAIANGO

Rua Santa Rita, santa Efigênia

Em frente ao estádio Baleião, Belo Horizonte, MG, aos pés da Serra do Curral

Contatos para Imprensa: Pedro, cel. 31 99567-7629 ou com Ciça, cel. 31 99141-7160

Obs.: Segue, em PDF, a Carta da RETOMADA KEVÁ MATAMBA, EM BELO HORIZONTE, AOS PÉS DA SERRA DO CURRRAL, KILOMBO MANZO NGUNZO KAIANGO